Cerca de 40 mil crianças sobredotadas em Portugal, maioria não está identificada

Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas alerta para falta de estrutura nas escolas para apoiar os professores dos alunos sobredotados.

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Nelson Garrido

Cerca de 40 mil crianças até aos 12 anos em Portugal serão sobredotadas, mas a maioria não está identificada, segundo especialistas que apontam como principal lacuna a falta de formação para detectar estes meninos e encaminhá-los de forma adequada.

“A lacuna principal é a falta de conhecimento do fenómeno. Há muito tipo de crianças sobredotadas e temos poucos especialistas para as detectar. Devia haver formação específica entre professores e psicólogos que fizessem destrinça entre os diferentes tipos de sobredotados”, afirma o presidente do Instituto da Inteligência, Nelson Lima.

Para Nelson Lima, além da falta de informação e formação, há ainda muitos mitos, como o de que a criança sobredotada “tem de ser boa em tudo” e, caso não seja, já não se considera sobredotada.

Contudo, há crianças sobredotadas que manifestam uma inteligência geral, ampla, diversificada, enquanto outras dirigem o seu talento apenas para uma área específica, sobretudo para as artes, como a pintura, a dança ou a escrita.

“Geralmente, estes sobredotados talentosos definem uma área de vida e uma trajectória à qual se dedicam inteiramente. Apaixonam-se por uma área e dedicam-se a ela”, explica o mesmo responsável.

Para o presidente do Instituto de Inteligência, o problema existe no grande número de crianças sobredotadas que, finda a adolescência, “ficam sem saber o que fazer”.

“É importante ajudar a definir o projecto de vida, apelando à sua imaginação e à descoberta de quem são. E a forma como a inteligência se manifesta, se é mais analítica, mais prática”, disse.

Aliás, diversos estudos revelam que, apesar da grande expectativa gerada na infância, muitos dos sobredotados apresentam, mais tarde, um grau de insucesso igual ou maior do que o das outras pessoas.

Nelson Lima, que hoje dá uma conferência na Universidade Lusíada, em Lisboa, sobre o futuro dos sobredotados no fim da adolescência, garante que é a escola que tem o papel mais importante na trajectória das crianças sobredotadas, preparando um caminho para as orientar no futuro.

“Quando se fala de sobredotados, a atenção é centrada nas crianças. À medida que entram na adolescência, deixa-se de falar no assunto, mesmo que estejam detectadas. A partir de uma certa idade há um certo abandono, estão um pouco por conta própria. E não se potenciam as suas capacidades e inteligência”, adiantou à Lusa.

Em 1998, o Ministério da Educação produziu um manual com instruções para os professores com indicações para detectar crianças sobredotadas.

“Ainda não encontrei um único professor que diga que o conhece. É altamente provável que os exemplares deste manual tenham ficado numa gaveta do Ministério da Educação”, lamentou Nelson Lima, defendendo que seja criado um novo manual actualizado, dirigido sobretudo aos professores do primeiro ciclo.

Também a Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas considera que falta nas escolas uma estrutura que tenha como função central apoiar os professores dos alunos sobredotados.

Helena Serra, presidente da associação, admitiu que há em Portugal uma baixa cobertura de “respostas de qualidade” ao nível da formação de professores e de apoios nas escolas para detectar e acompanhar os meninos sobredotados.

Mas, para esta associação, é também importante apoiar os pais destas crianças, que enfrentam várias dificuldades.

“São crianças cansativas, que fazem perguntas dificílimas e têm constante necessidade de respostas. E muito cedo afirmam a sua vontade própria e independência. É preciso ensinar os pais a gerir isso”, explicou à Lusa.

A associação organiza, no Porto, a iniciativa “Sábados Diferentes”, que serve para que as crianças sobredotadas estejam com os seus pares numa perspectiva de “desenvolvimento pessoal e social”. Ao mesmo tempo, os pais também podem usufruir, recebendo formação e orientação.

O projecto deverá alargar-se a Lisboa, mas, por enquanto, no resto do país escasseiam iniciativas que dêem este tipo de apoio a crianças e aos seus educadores.

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