Resgate de Chipre coloca bolsas em queda e euro em mínimo

Zona euro rompeu com a “regra de ouro” de assegurar a protecção dos depósitos até 100 mil euros.

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Barbara Laborde/AFP

Com as atenções centradas no resgate a Chipre, os mercados financeiros mostram sinais de nervosismo na manhã desta segunda-feira, com o receio de um agravamento da crise das dívidas soberanas na zona euro a reflectir-se em três frentes: na descida das bolsas europeias, na queda do euro face ao dólar e na subida dos juros das dívidas dos países periféricos.

A reacção dos mercados na Europa ao resgate financeiro a Chipre – à onda de choque que provocou na ilha mediterrânica no fim-de-semana, com os cipriotas a tentarem levantarem ou transferirem dinheiro dos bancos – não se fez esperar.

O primeiro indicador negativo veio da Ásia, onde as bolsas registavam a maior descida em quase oito meses. A Bolsa de Tóquio deslizou 2,71%, mais do que Hong Kong, que caiu 2,22%.

O mesmo acontecia no mercado cambial, onde a moeda única recuava minutos antes das 9h para 1,29 dólares, o valor mais baixo em 2013.

Nas bolsas europeias, o português PSI-20 chegou a cair perto de 2%, seguindo a tendência das principais congéneres europeias. Em Madrid, o Ibex-35 descia 2,2%, acima da queda registada pelo FTSE-Mib, de Milão, que cedia 2,16%. O índice de referência alemão, o Dax, de Frankfurt, estava a perder 1,23%, enquanto na Bolsa de Amesterdão o AEX cedia 0,95% e em Bruxelas o Bel-20 descia 1,13%.

Nos mercados secundários de dívida (revenda de títulos), os juros implícitos às Obrigações do Tesouro a dez anos de Portugal, Espanha, Grécia e Itália estavam em alta. No caso dos títulos portugueses, as taxas voltaram a superar a barreira dos 6%, enquanto no caso espanhol subiram para 5%.

A reacção negativa ao programa de resgate cipriota acontece no dia em que o Parlamento cipriota se reúne, hoje, feriado em Chipre, para votar o acordo que o Governo negociou com a zona euro. Em causa está um empréstimo de 10 mil milhões de euros que tem como contrapartida o cumprimento, por parte de Nicósia, de um plano de medidas que incluiu um aumento de impostos sobre as empresas que pode chegar a 12,5% e um imposto extraordinário sobre os depósitos. Uma medida que abrange todas as poupanças, com a aplicação de uma taxa de 6,7% sobre os depósitos abaixo de 100 mil euros e de 9,9% sobre os depósitos acima deste valor.

Romper com a regra de ouro
Surpreendidos com as condições dos empréstimos, muitos cipriotas dirigiram-se aos balcões para tentar levantar dinheiro das contas, mas, por prevenção, as instituições financeiras foram obrigadas a bloquear a percentagem dos depósitos que vai reverter em imposto extraordinário.

Tão surpreendidos quanto os residentes da ilha cipriota, os analistas alertam para a falta de confiança no sistema que resulta do modelo de resgate sem precedentes decidido pelos ministros das Finanças da moeda única.

Numa decisão inédita, a zona euro rompeu com a “regra de ouro” de assegurar a protecção dos depósitos até 100 mil euros. Mas se Nicósia defendeu que isso evita outras medidas pesadas para a população, como cortes salariais e nas reformas, unânime entre vários analistas foi que a decisão pode precipitar um agravamento da crise europeia. E, arriscam alguns, uma depressão de proporções perigosas, num quadro recessivo mais grave da economia da moeda única.

O economista Paul Krugman encontra no facto de serem os depositantes a pagarem parte do resgate o “grande problema” da decisão da zona euro em relação a Chipre. “É como se os [responsáveis] europeus erguessem um sinal em néon, escrito em grego e italiano, a dizer ‘está na altura de tirarem os vossos dinheiros dos bancos!’”, escreveu no seu blogue no The New York Times.

Medida incompetente, diz Putin
Os deputados cipriotas votam hoje a proposta aceite pelo novo Governo. O resultado será crucial para se saber quando é que as instituições financeiras reabrem, embora uma corrida aos bancos não seja esperada, agora que a população sabe que as autoridades cativaram o montante equivalente à sobretaxa sobre os depósitos.

A agência AFP avançava que o ministro das Finanças, Michalis Sarris, tem agendada para terça-feira uma viagem de trabalho à Rússia, país originário de boa parte dos depósitos nos bancos cipriotas e que em 2011 acertou com as autoridades da ilha um empréstimo de 2500 milhões de euros cujos termos poderão ser agora renegociados.

Não muito distante dos adjectivos usados por analistas para classificar a sobretaxa sobre os depósitos, o porta-voz do Presidente russo, Vladimir Putin, considerou-a, desde já, uma medida “injusta, incompetente e perigosa ”.
 

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