Cavaco avisa que cortes têm de passar pelo Parlamento

Presidente da República avisou que terá de haver “diálogo aprofundado” e “debate muito sério”. E deixou críticas à Europa.

Cavaco Silva deixou nesta sexta-feira um aviso ao Governo, sublinhando que o corte de 4000 milhões de euros só será uma realidade quando for aprovado no Parlamento.

“Qualquer corte de despesas só pode ocorrer através da inserção no Orçamento de Estado. O Governo é o único que o pode fazer mas quem o aprova é a Assembleia da República. Esses cortes só terão significado prático a partir do momento em que a AR os aprovar. Espero bem que possa ocorrer um diálogo aprofundado e um debate muito sério, tendo em linha de conta a eficiência e equidade das funções do Estado, da provisão de bens e serviços públicos, principalmente da saúde, da educação, da protecção social, das forças armadas e da segurança. O Governo pode ter anunciado isso [cortes de quatro mil milhões, que começam já neste ano com 500 milhões] mas é uma intenção, e só se concretiza no dia em que for apresentado na Assembleia da República um Orçamento”, frisou Cavaco Silva, durante a sua visita aos concelhos de Torre de Moncorvo, Vila Flor e Carrazeda de Ansiães.

Cavaco Silva explicou que “essa matéria tem de entrar em três orçamentos”. “Primeiro, no Orçamento Rectificativo de 2013. Segundo, no Orçamento de 2014 e no Orçamento de 2015. Até lá, vamos ver o que acontece”, sublinhou.
Sobre o facto de o calendário para o cumprimento das metas da troika ter sido alargado, Cavaco Silva acredita que se tratou do “reconhecimento que é incorrecto fixar objectivos para o défice em termos monetários”.

Para o Presidente da República, “o segredo está no crescimento da produção. Se a produção aumentar, o Produto Interno aumentar, fará com que o rácio da dívida em relação ao produto seja mais baixo e com que o défice em relação ao produto seja mais baixo. Toda a nossa prioridade deve ser colocada no crescimento económico”, sublinhou Cavaco Silva, durante a visita à Sousacamp, a maior empresa ibérica de produção de cogumelos.

Cavaco Silva frisa que a austeridade não pode ser implementada a qualquer custo. “É preciso que a Europa tenha consciência de que é preciso haver um equilíbrio harmonioso entre consolidação orçamental e crescimento económico e combate ao desemprego. Felizmente parece que agora essa manifestação colhe mais vozes entre os líderes europeus e espero que se venha a reforçar”, disse.

A Europa da austeridade
Por outro lado, disse lamentar “profundamente” que esta seja “a Europa da austeridade e não a Europa do Crescimento Económico”. “Talvez agora a Europa comece a ter tudo isso em consideração. Mas lamento que se demore tanto tempo a passar das palavras aos actos. Na Europa tudo parece andar a um ritmo demasiado lento. Todos estão a sofrer com esta Europa que ainda não foi capaz de encontrar os equilíbrios adequados entre a resolução dos problemas do défice público e o crescimento económico e a criação de emprego”, sublinhou.

Quanto à utilização de um incentivo fiscal para dinamizar a economia, Cavaco Silva recordou que esse tinha sido precisamente um dos temas abordados por Aires Ferreira, autarca de Torre de Moncorvo, no discurso que proferiu diante do Presidente da República. “Quando existem países que oferecem taxas de tributação de lucros muito baixo, as empresas têm a tentação de se deslocar para esses países. O capital é muito mais móvel do que o factor trabalho. Por isso é que agora o Governo nomeou uma comissão técnica para estudar o IRC. Temos de ter isso em conta porque o nível de investimento actual encontra-se ao nível dos anos 1990 e a certo momento pode colocar-se o problema de já não existir capacidade de produzir bens não só para o mercado interno mas para exportar, que é o que precisamos”, explicou Cavaco Silva, que deixou ainda uma convicção pessoal: a crise está para ficar.

“As fortes exigências colocadas a Portugal vão continuar por muitos anos, para além do meu mandato. E basta ter em atenção as novas regras de governação da zona do Euro que têm sido aprovadas. As exigências que têm vindo do exterior para a economia e sociedade portuguesa irão continuar durante muitos anos e teremos de ser capazes de responder com inteligência, com capacidade, com saber”, sublinhou.

Mas nesta visita ao Nordeste Transmontano, Cavaco Silva encontrou ainda “sinais positivos”, como a empresa de produção de cogumelos que visitou, ou “o caso dos esforços que estão a ser feitos para aumentar a oferta turística da região, tirando partido da riqueza histórica e paisagística da região, ou da confiança que se deposita para o futuro em Torre de Moncorvo, tirando partido da construção da barragem do Baixo Sabor e no aproveitamento das riquezas minerais, pensando o futuro de uma forma empreendedora”.

De passagem por Vila Flor, doou a sua antiga máquina de escrever ao museu Berta Cabral, que tem uma colecção de mais de 60 máquinas de escrever.

Já de saída, registou-se um incidente numa visita tranquila. Uma popular, desempregada deixou escapar um desabafo, chamando “gatuno” ao Presidente da República. A manifestante de ocasião acabou por ser identificada pela GNR e está, agora, sujeita a procedimento criminal.

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