Os primeiros segredos sobre a eleição de Bergoglio

Cardeal argentino tornou-se rapidamente favorito no conclave, após primeira votação dividida com Scola e Ouellet.

Foto
O bloco italiano estava fragilizado neste conclave MAX ROSSI/REUTERS

Os cardeais que elegem o Papa juram manter segredo sobre as suas deliberações, mas pormenores do conclave começaram a surgir nesta quinta-feira sobre a forma como Jorge Bergoglio rapidamente surgiu como a primeira escolha para substituir Bento XVI.

Bergoglio era um dos concorrentes do cardeal Joseph Ratzinger quando este foi eleito Papa, no conclave de 2005. Mas raramente foi desta vez mencionado nos media como um candidato a Papa, o que pode ser considerado uma vantagem. “Entra Papa, sai cardeal” é o ditado em Roma, que descreve como os favoritos saem desiludidos.

Bergoglio parece ter as duas qualidades que os cardeais estavam à procura: uma capacidade pastoral para revitalizar a Igreja e capacidade para controlar a Cúria. 

Também parece ter beneficiado da fúria e do ressentimento sentidos pelos cardeais em relação às rivalidades e lutas internas da Cúria, que tiraram força ao tradicionalmente poderoso bloco italiano, quase um quarto dos cardeais que votam. Isto terá reduzido as hipóteses do arcebispo de Milão, Angelo Scola, um dos dois favoritos antes do conclave, a par do cardeal brasileiro Odilo Sherer.

Os problemas da Cúria são vistos como sendo da responsabilidade de um grupo de prelados italianos próximos do secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone. O cardeal brasileiro João Braz de Aviz teve uma discussão aberta numa das reuniões pré-conclave com Bertone, depois de este o ter acusado de passar pormenores das deliberações aos media italianos. Braz de Aviz recebeu aplausos de outros cardeais quando negou a acusação e disse acreditar que alguém da Cúria o tinha feito.

Os 115 cardeais tinham o objectivo de encontrar um pontífice capaz de enfrentar a crise provocada pelo escândalo global do abuso de crianças. “Estávamos à procura de um Papa que fosse espiritual, um pastor. Acho que com o cardeal Bergoglio temos este tipo de pessoa”, disse nesta quinta-feira aos jornalistas o cardeal francês Jean-Pierre Ricard.

O arcebispo de Viena, Christoph Schoenborn, confirmou que Bergoglio cedo se afigurou como um candidato forte, vencendo a eleição em apenas cinco votações, só mais uma do que as votações que elegeram Bento XVI, que era um claro favorito em 2005.

“Não vos vou dizer como decorreram as conversas, isso é um assunto interno. Mas uma coisa pode dizer-se com certeza: o cardeal Bergoglio não se teria tornado Papa à quinta votação se não fosse um candidato forte desde o início”, afirmou Schoenborn aos jornalistas, acrescentado: “Um conclave que dura menos de 24 horas, um dos mais curtos na história do papado, mostra uma grande unanimidade e um entendimento comum forte sobre quem achamos que Deus designou neste momento como o sucessor de Pedro”.

Carlo Marroni, o respeitado correspondente do jornal Il Sole 24 Ore no Vaticano, foi ainda mais longe e disse que a primeira votação do conclave, na terça-feira, foi dividida entre Scola, o canadiano Marc Ouellet e Bergoglio. Mas a noite terá trazido um maior apoio a Bergoglio, cujas votações foram crescendo nas duas votações de quarta-feira de manhã e na primeira da tarde. Até que na quinta votação, na quarta-feira à tarde, o cardeal argentino conseguiu os necessários dois terços, recebendo não só os votos do bloco latino-americano, mas também de um grupo leal a Ratzinger, que inicialmente apoiou Scola, conta Marroni.

A eleição de Bergoglio foi uma surpresa, não só por ser o primeiro latino-americano, mas também por ser jesuíta. Ele era o único membro da Companhia de Jesus entre os cardeais e é muito raro os jesuítas aceitarem cargos de responsabilidade. Vários membros da ordem mostraram-se espantados quando souberam que ele havia sido escolhido (e abraçado o desafio).

O cardeal argentino aumentou as suas hipóteses, como Ratzinger fez em 2005, com um discurso durante as “congregações gerais” (pré-conclave), que impressionou os colegas cardeais, diz a Reuters.

Esse discurso sobre os problemas da Igreja está a gerar a enorme expectativa de que Bergoglio vai atacar a burocracia do Vaticano, embora de uma forma subtil e não radical. Um cartoon do jornal italiano Corriere della Sera brincava com as primeiras palavras do novo Papa. “Os meus irmãos cardeais surpreenderam-me, mas isso não é nada comparado com a surpresa que lhes vou provocar.”

E as primeiras acções do Papa Francisco, comprovando a modéstia e frugalidade que lhe são atribuídas, não deixaram de cortar com a tradição do trono de Pedro. Pediu a bênção ao povo, voltou para os aposentos juntamente com os outros cardeais e fez questão de pagar a conta do hotel onde ficou antes do conclave. Assim como surpreendeu com a escolha do nome, em homenagem a São Francisco de Assis, que abandonou a riqueza para viver como pobre.

Sugerir correcção
Comentar