Aguentem corações, o Justin Bieber está a chegar

Milhares de crianças e adolescentes já dançam ao som de Carly Rae Jepsen no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. Mas o que eles querem mesmo é o Bieber, é por ele que gritam.

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O pavilhão Atlântico, minutos antes da entrada de Justin Bieber DR

As luzes apagaram-se e o mundo lá fora já não existe. A partir de agora é só Justin Bieber, mesmo que em palco esteja Carly Rae Jepsen, e que mal se oiça porque os gritos são ensurdecedores. Se não soubéssemos do que se tratava, poderíamos dizer que o ambiente é o de uma festa de liceu em escala gigante.

Quem passou nos últimos dias pelo acampamento dos "beliebers" no Parque da Nações não viu nada, comparado com o que na noite desta segunda-feira se passa no Pavilhão Atlântico. Enquanto lá dentro já lá estão os que aqui dormiam há dias, à porta estão aqueles que só nesta segunda-feira puderam cá chegar. São muitas, e longas, as filas. São tantas as crianças e os adolescentes como os pais.

Não há carro que avance em direcção ao Pavilhão Atlântico, sem levar com uma boa dose de gritos histéricos. “Ai que é ele”, diz Joana, de 12 anos, agarrada à mãe. É pequena mas chora como gente grande. “Eu nem acredito que ele ia ali”, continua, não sabendo que não, não era o Justin. “Mas que disparate, por que choras tanto?”, pergunta a mãe que leva apenas com um “não sei mas sei que é por ele”.

Joana não é a única, na fila é raro encontrar alguém que não esteja a chorar. Os pais riem-se e os filhos nem querem saber. Estão tão impacientes que têm o olhar apenas fixo nas portas por onde todos vão entrar.

Mas se na rua o ambiente é de nervos e histeria, dentro do pavilhão é difícil circular e falar. Basta que um técnico suba ao palco, qual Justin Bieber, e ouvem-se logo gritos. Muitos gritos. E de vez em quando, para que não se esqueçam de quem vieram ver, gritam por ele: “I say Justin and you say Bieber. Justin Bieber, Justin Bieber, Justin Bieber.” E lá começam os gritos. Basta que uns comecem a gritar, para que do outro lado do pavilhão, outros, respondam ainda mais alto, ainda que não saibam bem porque gritam.

Cody Simpson, que ia actuar antes de Bieber e depois de Carly Rae Jepsen, estrela do single Call me maybe, cancelou e por isso, para bem do coração destes milhares de fãs, o Justin Bieber aparecerá mais cedo. Por volta das 20h30, ou não fosse amanhã dia de escola.

O efeito Bieber
Gritos descontrolados, choro compulsivo e gestos frenéticos. São estes os principais sintomas de que sofrem os fãs de Justin Bieber. Seja porque o vão ver pela primeira vez em “carne e osso” ou pura e simplesmente porque ele disse “olá” na rede social Twitter. Compram tudo o que tem o seu nome e vivem em função desta paixão. Sentem-se excluídos mas não sozinhos. Obsessão? Claro que não. “É dedicação.” E é saudável?

Acampamentos à porta do Pavilhão Atlântico, em Lisboa, ou em outra sala de espectáculos não são uma novidade. Ainda muitos se devem lembrar das imagens das fãs histéricas à espera dos Tokio Hotel, em 2008. Assim como este frenesim se repetirá em Maio quando chegar o dia do concerto dos One Direction, também no Pavilhão Atlântico, e cujos bilhetes esgotaram em horas. Mas então o que é que Justin Bieber tem de especial? É assim tão diferente?

“Claro. Não se compara. Eu sei que é suspeito falar mas a verdade é que o Justin faz questão de estar sempre conectado connosco. Existe uma preocupação com as fãs, ele quer que saibamos todos os dias que se preocupa connosco”, diz ao PÚBLICO Sara, de 16 anos. “Ele fala para nós e nós já não passamos sem isso. Sabemos como se sente, o que faz ou até com quem está e quando não temos novidades já ficamos preocupadas, pensamos logo que se passou alguma coisa”, acrescenta Marta, também de 16 anos.

O segredo está então na comunicação, isto é, no Twitter, onde Justin Bieber tem 36 milhões de seguidores. O canadiano sabe disso e não descuida, de facto, esta arma poderosa. Ao publicar fotos suas, ao dizer que fez uma tatuagem nova ou a mandar beijos aos fãs só porque sim, Justin Bieber faz com que estes jovens acreditem que ele fala mesmo com eles. Sentem-se próximos e amigos do ídolo. Ainda que apenas amigos virtuais.

“O que acontece é que estes jovens têm a percepção que têm um contacto pessoal com o artista, mesmo não sabendo quem está por trás do Twitter, se é mesmo Justin Bieber ou a sua produção”, diz ao PÚBLICO a psicóloga Margarida Gaspar de Matos, explicando que “o ar de rapaz normal, que não é diferente dos que encontram na escola”, faz com que estes jovens se revejam nele. Para explicar o fenómeno, a psicóloga recorre à teoria de aprendizagem social de Bandura, que defende que na sociedade as pessoas se tendem a identificar com dois modelos: os que são iguais a nós e os que têm poder.

“E neste caso ele é igual a eles e tem poder. Ele representa tudo o que os adolescentes sonham ter, mesmo que não admitam”, diz Margarida Gaspar de Matos, para quem os fãs acabam por ser rever no sucesso do ídolo. “Isto é como nos clubes, revemos as vitórias dos nossos clubes, como se fossem nossas.”

E é isso mesmo que eles dizem. “Ele já foi como nós, foi fã de alguém, antes de se ter tornado neste ídolo, e por isso sabe tudo o que nós sofremos”, diz Sara, contando que se Bieber está triste, ela fica triste, se ele está feliz, ela fica feliz.

“Nós somos praticamente da mesma idade e por isso eu percebo as atitudes dele. Independentemente de ser famoso, ele é um adolescente e precisa do seu espaço e de fazer as suas coisas, tal como nós”, explica Sara, de 17 anos, que sente que está a crescer com Bieber. “Comecei a ouvir há quatro anos e desde então tenho acompanhado a carreira e o crescimento dele, isso faz-me sentir parte da sua vida.”

Para a psicóloga, estas paixões são boas e sempre existiram. Nos dias de hoje ganham é uma dimensão diferente por causa das redes sociais. “Sempre tivemos estas febres, ídolos que inflamavam as massas. Desde os Beatles aos Doors, é normal as pessoas idolatrarem os ídolos e querem fazer vida disso, isto atravessa gerações.”

No entanto, Margarida admite que é preciso que existam limites. “Cada um gosta do que gosta e claro que tratando-se de miúdos, acontece o acampamento. Mas em casa é preciso haver regras e os pais não podem permitir tudo.”

A psicóloga não é contra a ideia de os pais apoiarem estas paixões, autorizando, por exemplo, que os filhos possam faltar à escola para irem ao concerto. “Se faltam à escola quando estão doentes, para ficarem deprimidos em casa, por que não hão-de faltar para viverem uma experiência única, que lhes vai ficar na memória durante os próximos anos?”, questiona, acrescentando que estas coisas fazem parte do crescimento. “É bom que eles andem contentes mas claro que isso tem uma responsabilidade e autonomia”, diz Margarida, para quem os pais devem estabelecer regras.

Para Ana, de 16 anos, as regras são claras. “Eu não vou faltar à escola porque depois se ele voltar eu quero que os meus pais me deixem novamente ir ao concerto”, conta ao lado do pai, que diz não ter razões para não oferecer o bilhete à filha. “Com 16 anos está no 10º ano e nunca chumbou, merece não é?”, diz Carlos.

Já Erica vai faltar à escola, mas diz que há muito tempo avisou os pais. “Eu disse logo que faria tudo o que fosse preciso, que até tinha melhores notas.”

Vasco, de 15 anos, acredita que os pais o compreendem e lhe tentam dar as oportunidades que não tiveram. “Quando eles tinham a nossa idade também tinham ídolos. Só que os tempos eram outros e eram mais difíceis e por isso não tinham estas oportunidades, é uma forma de nos apoiarem.” E Margarida concorda: “Não podemos obrigar os nossos filhos a reverem-se nas nossas coisas, devemos aceitar e compreender."

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