Ratos com os cérebros ligados entre si conseguem comunicar

Foi demonstrada, pela primeira vez, uma transmissão directa e em tempo real de informação sensorial e motora entre pares de ratos cujos cérebros estavam interligados por fios eléctricos.

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Representação artística de dois ratos ligados pelo cérebro Katie Zhuang, laboratório de Miguel Nicolelis, Universidade Duke

Um rato aprende a desempenhar uma tarefa motora, o outro não. Mas, a seguir, o cérebro do primeiro “ensina” o cérebro do segundo, via transmissão eléctrica directa, a desempenhar essa mesma tarefa, da qual nada sabe à partida. Este tipo de transmissão intercerebral, que mais parece saída de um filme de ficção científica do que de um laboratório de neurociências, acaba de ser comprovado por uma equipa internacional cujos resultados foram publicados esta quinta-feira na revista Scientific Reports, do grupo da Nature.

Miguel Nicolelis e os seus colegas, da Universidade de Duke, nos EUA, e Edmond e Lily Safra , do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, no Brasil, implantaram uma série de eléctrodos no córtex motor e no córtex sensorial de pares de ratos, cujos cérebros ficaram assim ligados directamente entre si por um feixe de finíssimos fios eléctricos.

Um dos ratos, que os cientistas designaram “codificador”, foi treinado a desempenhar tarefas simples, onde aprendia a escolher entre dois estímulos visuais ou tácteis. A seguir, quando esse animal carrega no botão certo, a sua actividade cerebral é codificada e transmitida pelos eléctrodos directamente e em tempo real ao cérebro do segundo rato. Este tem, por sua vez, de fazer a sua própria escolha, só que sem ter recebido qualquer treino e sem ter acesso ao que o primeiro rato viu ou sentiu (ou seja, aos estímulos que lhe permitiriam escolher em que alavanca carregar para receber água), explica um comunicado da universidade norte-americana. No entanto, o segundo rato – o “descodificador” – consegue, em 65 a 70% dos casos, fazer a escolha certa apenas com base na informação eléctrica recebida do cérebro do seu parceiro. Uma taxa de sucesso significativamente mais elevada do que se esse segundo rato tivesse carregado numa das alavancas ao acaso.

“Já tínhamos a convicção, com base em experiências que tínhamos realizado anteriormente, de que o cérebro conseguia assimilar sinais vindos de sensores artificiais. Agora, quisemos saber se o cérebro também seria capaz de assimilar informação vinda de outro corpo”, diz Nicolelis, citado pelo mesmo documento.

“Basicamente”, acrescenta Nicolelis, “estamos a criar aquilo a que eu chamo um computador orgânico, capaz de resolver um problema de uma maneira diferente (…) dos computadores convencionais”. Nas experiências, faz notar, a informação transmitida entre os ratos não era uma série de instruções, como nos computadores de silício, mas “apenas um sinal que representa uma decisão tomada pelo codificador, que é transmitida ao cérebro do descodificador, que tem de descobrir como resolver o problema. Portanto, estamos a criar um único sistema nervoso central feito de dois cérebros de rato.”

Para mais, a comunicação fazia-se nos dois sentidos: quando o segundo rato falhava na sua escolha, o primeiro recebia uma quantidade menor de água. "Vimos então que, quando o rato descodificador se enganava, o codificador alterava a sua função cerebral e o seu comportamento para facilitar o sucesso do seu parceiro, melhorando a relação sinal-ruído da actividade cerebral que representava a sua escolha para tornar o sinal mais fácil de detectar. E, ao mesmo tempo, as suas decisões tornavam-se mais rápidas e nítidas", diz Nicolelis. Isso levava os dois animais, segundo ele, a estabelecerem uma "colaboração comportamental".

Quais as implicações destes resultados? “Nem sequer é possível prever que tipo de propriedades poderiam emergir quando um grupo de animais começar a interagir como componente de uma rede de cérebros”, diz Nicolelis. “Em princípio, seria possível imaginar que uma combinação de cérebros fosse capaz de fornecer soluções que um cérebro sozinho seria incapaz de formular.”

O investigador vai ainda mais longe, especulando que este tipo de ligação intercerebral poderá mesmo fazer com que um animal incorpore o sentido do “eu” de outro animal. E exemplifica: nas experiências tácteis, que envolviam estímulos aplicados aos bigodes do rato codificador, foram detectados, no cérebro do rato descodificador, neurónios que reagiam aos bigodes de ambos. Isto, segundo ele, “significa que esse rato criava uma segunda representação de um segundo corpo por cima do seu próprio corpo”.

Para testar os limites desta “potencial nova forma de comunicação animal” – é assim que a Nature descreve aquilo cuja existência estes resultados  demonstram –, os cientistas colocaram um dos animais no seu laboratório dos EUA e o outro no do Brasil, a milhares de quilómetros um do outro. A partilha de informação entre os seus cérebros funcionou na mesma – e isso “apesar de os animais se encontrarem em continentes diferentes, com o ruído na comunicação e com os desfasamentos dos sinais que isso implica”, diz ainda Nicolelis. “Isto sugere que é possível criar uma rede de cérebros de animais a funcionar juntos, distribuídos por muitos locais diferentes”, diz, por seu lado, Miguel Pais-Vieira, co-autor do estudo.

Nicolelis está a liderar, escreve a revista Wired, um projecto que consiste em desenvolver uma prótese – um exosqueleto – controlado pelo cérebro para permitir a pessoas paralisadas recuperar a mobilidade.

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