Portugal é dos países onde mais austeridade significa mais pobreza infantil

Relatório da Cáritas Europa parte de estatísticas da Comissão Europeia e alerta governantes para o risco de uma ou várias “gerações perdidas”.

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Em Portugal, 28,6% das crianças estavam em risco de pobreza em 2011 João Gaspar

Portugal, Grécia, Irlanda não têm apenas em comum estarem incluídos num programa de assistência económica e financeira para reduzir drasticamente o peso da dívida pública e reconquistar a confiança dos mercados nas suas economias. Esses – mais Espanha, onde vigora um plano de assistência à banca, e Itália – incluem-se no grupo de países sobre o qual a Cáritas Europa lança um alerta especial para os riscos das políticas de austeridade sobre as crianças e os jovens.

Nestes cinco países, o número de crianças próximas da linha da pobreza ou em risco de pobreza e exclusão aumentou todos os anos, a partir de 2008, atingindo já quase de um terço nos países listados. A conclusão consta de um relatório lançado nesta quinta-feira na Irlanda, O Impacto da Crise Europeia – A Resposta da Cáritas à Austeridade, que será apresentado em Portugal a 6 de Março. 

“A pobreza infantil é um sintoma da pobreza crescente. Mas é inaceitável”, considera Deirdre de Burca. A responsável pelas políticas sociais da Cáritas Europa fala ao PÚBLICO a partir de Dublin, onde o relatório começou por ser publicado, antes do lançamento em cada um dos cinco países analisados, por ser a Irlanda que preside actualmente à União Europeia (UE). "Inaceitável” e “preocupante”, se olharmos para o futuro, diz a especialista, que evoca o risco de uma ou várias gerações perdidas nestes cinco países. É sobre isso que a Cáritas Europa quer pôr os governantes e as instituições que impõem a austeridade a reflectir.

“As políticas económicas aplicadas estão a criar imensos problemas sociais com os quais será muito difícil de lidar no futuro”, sublinha Deirdre de Burca. “Às políticas económicas e sociais tem de ser dado o mesmo peso. E não está a ser. A União Europeia tem de mostrar liderança e reequilibrar o peso entre políticas económicas e sociais.” A responsável junta a sua a outras vozes para dizer: “A austeridade não está a funcionar.”

Jovens sem esperança
A Cáritas Europa parte das estatísticas oficiais da Comissão Europeia (analisados por um instituto científico na Irlanda) e constata que é nos quatro países devedores de empréstimos da UE e do FMI e na Itália que os riscos de pobreza ou exclusão das crianças mais dispararam nos últimos quatro anos.

As crianças são assim identificadas (sob risco de pobreza e exclusão) se viverem em famílias com menos de 60% do rendimento mediano nacional (no meio entre os dois extremos) ou cujos pais têm pouco trabalho ou nenhum emprego ou ainda se não têm satisfeitas as necessidades básicas, como alimentos ricos em proteínas, vestuário e aquecimento em casa.

Sob essa definição, em Portugal, 28,6% das crianças estavam em situação de risco de pobreza ou de exclusão em 2011. Nesse ano, eram mais de 30% na Grécia e em Espanha, mais quatro pontos percentuais do que em 2005. Itália e Irlanda não tinham dados actualizados em 2011, mas, em 2010, contavam-se 37,6% na Irlanda e 28,9% em Itália.

O índice de pobreza infantil em Portugal baixou entre 2004 e 2007, mas está acima da média dos 27 países da UE desde 2005 e registou um aumento considerável entre 2007 e 2008 sem nunca baixar desde então. Em 2010, esse índice (diferente do risco de pobreza e exclusão) era de 22,4% quando a média da UE era de 20,5%.

A organização recomenda às instituições que impõem as medidas de austeridade e aos governos destes cinco países que questionem o significado destas tendências para as crianças no futuro. Crianças que, na pobreza, não terão certamente o mesmo aproveitamento escolar.

Não existem estatísticas para 2012, mas, com as de que dispõe, a Cáritas traça um quadro futuro sombrio em que as políticas de austeridade estão a criar uma geração de jovens sem perspectivas de futuro e sem esperança.

“Os jovens estão a ficar desesperados. Estão sem esperança de encontrar trabalho nos próximos anos, e sem vontade de emigrar por também terem perdido a esperança de encontrar trabalho noutros países”, continua Deirdre de Burca. Mais: ao ficarem desempregados muitos anos, e nos primeiros anos da vida activa, perdem as capacidades adquiridas e a autoconfiança e ganham uma dependência social que pode ser perniciosa. “Por isso falo em risco de uma ou várias gerações perdidas.” É como um ciclo do qual será difícil sair.

A medida da recessão
Tendo uma perspectiva global dos cinco países em análise, a responsável da Cáritas Europa considera que “a medida a que chegou a contracção da economia” é dos aspectos mais notórios da situação portuguesa. “A economia encolheu. Perderam-se os empregos e não se criaram novas oportunidades. Numa economia que se contrai assim, é difícil ver como recomeçará a crescer, quando nenhuma das políticas cria emprego”, avisa.  

Contactada pelo PÚBLICO, a Cáritas Portuguesa remeteu os comentários sobre este relatório para a sua apresentação em Portugal no próximo mês. Para já, alerta em comunicado para o facto "de as medidas de austeridade, como solução principal para o combate à crise, estarem a provocar efeitos negativos junto da população, arrastando muitas famílias para novas situações de pobreza". E sintetiza: os efeitos mais negativos da austeridade fazem-se sentir sobretudo nas famílias mais carenciadas e, neste grupo, as crianças são as mais afectadas.
 

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