O atirador que matou Osama bin Laden: herói ou inadaptado?

O nome dele é “the Shooter”. Sobre ele nada se pode saber. Matou Bin Laden e vive na sombra, sem grandes apoios e em perigo para o resto da vida.

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O complexo em Abbottabad onde Osama Bin Laden viveu os últimos tempos de vida Akhtar Soomro/Reuters

Não estamos dentro de um livro ou de um filme. Estamos na vida real de um atirador profissional: “the Shooter”. Face a face com quem ele matou, às primeiras horas de um dia do princípio de Maio de 2011, num complexo em Abbottabad, cidade escondida nas montanhas do Paquistão. Foi ele quem disparou sobre Osama bin Laden. Não os tiros que o líder da Al-Qaeda recebeu já depois de morto. Os primeiros e fatais. Foi ele quem viu pela última vez aquele que o director da CIA Leon Panetta apelidou de "terrorista mais infame do nosso tempo”. Herói? Ou inadaptado? Aos 35 anos, longe da Marinha dos Estados Unidos, o atirador ainda tem muito para viver. Mas não parece.

O atirador fala pela primeira vez numa longa reportagem publicada na edição de Março da revista norte-americana Esquire. Longa em páginas mas não só, por ser obra de uma relação de confiança conquistada com o tempo pelo grande repórter, ex-director do San Francisco Chronicle e actual director executivo do Center for Investigative Reporting, Phil Bronstein. E por resultar também de um cruzamento de informações de outros agentes, como ele, dos fuzileiros especiais da Marinha dos EUA, conhecidos por SEAL, que confirmam a versão do protagonista. “Lembro-me que, quando o vi soltar o último suspiro, pensei: “Será esta a melhor coisa, ou a pior coisa, que alguma vez fiz?”

Ao longo do tempo, além de investigador, o jornalista torna-se também confidente do atirador. No fim, reflecte no título deste artigo (O homem que matou Bin Laden… está tramado) uma perplexidade sobre a qual insiste: como pode um veterano de guerra com 16 anos de vida passados em quatro palcos de guerra diferentes e dezenas de missões bem sucedidas acabar assim? Sem apoios ou protecção do Estado para ele e para a família por não ter completado 20 anos de serviço? “Com o foco e precisão” que o caracterizam, considera o autor, “the Shooter aguarda e atenta ao melhor caminho para sair, e se adaptar”.  “Apesar do incerto futuro, o seu passado impressiona profundamente.”

 Esta é uma história da missão que levou à captura de Bin Laden e que tantos benefícios terá trazido para a Administração Obama. Mas é também um relato na primeira pessoa, como um “The Shooter, por ele próprio”, em registo de confessionário mas sem nunca se revelar totalmente, um homem de 35 anos, que decide juntar-se à Marinha dos Estados Unidos aos 19 anos, depois de um desgosto de amor. Queria ser atirador (sniper), tornar-se um herói, mas um herói que permanece na sombra. Uma história de vida de um homem com um provável longo futuro pela frente, mas um futuro incerto. Será uma das vítimas do 11 de Setembro? Ele era um dos líderes do Esquadrão Vermelho ST6 que matou o líder da Al-Qaeda.

Longe de ser a missão mais perigosa que enfrentou, Abbottabad foi a que mudou mais a sua vida. Desde então, ele e a família sentem o peso de uma possível ameaça de morte. O nome que deu aos filhos não é apenas secreto, mas será apagado das suas vidas, por motivos de segurança. Os filhos e a mulher aprenderam regras elementares de sobrevivência e interiorizaram os reflexos de quem pode a qualquer momento estar na mira de um inimigo.

A mulher também fala à Esquire. Muitas foram as vezes que o consolou, quando regressava a casa de uma missão. Lembra-se em especial de uma vez em que o marido voltou destroçado por matar um pai de duas crianças. E recusa o conselho que um médico uma vez lhe deu: estar preparada para que, de cada vez que partisse numa missão de guerra, o seu marido voltasse uma pessoa diferente.

O segundo que foi o primeiro
Na manhã em que o líder da Al-Qaeda foi abatido, ele foi o segundo homem a subir as escadas em direcção ao piso onde estava Bin Laden, mas o primeiro a disparar e o último a vê-lo em vida. Mas quando um responsável da Administração norte-americana, em visita à base militar de Fort Campbell, no Kentucky, quis saber pormenores da captura, o protagonista apressou-se a responder pelos outros: “Fomos todos.”

Nos 16 anos na Marinha e nos oito últimos como SEAL, “the Shooter” foi destacado para perigosas missões em quatro palcos de guerra diferentes no mundo. Esteve sobretudo no Iraque e no Afeganistão e as suas missões foram sempre bem sucedidas, escreve Phil Bronstein que se interroga: “É assim que a América trata os seus heróis? Aqueles que o Presidente Obama descreve como 'os melhores dos melhores'? Aqueles que o vice-presidente Biden apelida de 'melhores guerreiros na história do mundo'”?

Sobre esta missão em especial, neste longo artigo na revista The Esquire, o atirador refere sobretudo o secretismo que a envolvia e os sentimentos que teve depois. A sua preocupação, vai dizendo o autor, é ser leal para com o país que o mandou nesta operação decisiva.

Conta por exemplo como, só muito depois de saberem que iam para uma missão especial, e horas depois de saírem da base da Virginia nos Estados Unidos, os membros do Esquadrão souberam da natureza do que lhes era pedido. Foi-lhes então dito que o Governo tinha descoberto o complexo de Abbottabad por crer que aí estaria escondido Bin Laden – era quem nas imagens de satélite aparecia como uma figura esguia que nunca saía, nem se misturava com as outras pessoas na grande casa.

Ao contrário de outros heróis, como um outro membro do grupo que matou Bin Laden, Matt Bissonnette, que escreveu o livro No Easy Day (Um Dia Difícil), o atirador desta história virou costas à fama e escolheu manter o anonimato – para sua segurança e da própria família. “The Shooter” não aparece publicamente, nem fala enquanto a seu lado se avolumam histórias em livros e filmes, como o recente Zero Dark Thirty (Hora Negra) de Kathryn Bigelow, que põem o foco sobre outras figuras.

Neste longo relato, partilha com o jornalista e confidente o dilema entre voltar daquela missão vivo (e não ter apoios) e morrer (e garantir a protecção da família para todo o sempre), bem expresso nas palavras de um amigo que hesitava em reformar-se: “É triste dizê-lo mas é melhor voltar morto.”

Em Setembro de 2012, o protagonista desta história reformou-se depois de uma última missão em que voltou a casa com vida. Mas antes disso partilhara com Phil Bronstein uma das maiores dificuldades de ser militar, agente de uma unidade de combate especial. Escreve o jornalista: “Ele adora os filhos e fica destroçado quando tem de se despedir deles antes de qualquer missão: 'É tão mais fácil quando eles estão a dormir, para poder apenas dar-lhes um beijo, não sabendo se será a última vez', costumava dizer."

O seu casamento não sobreviveu, apesar de o casal continuar a partilhar casa e ainda se amar. Mas marido e mulher perderam-se um do outro, escreve o jornalista. Como aconteceu com tantos casais, tantos maridos e pais, tanto tempo longe de casa desde o 11 de Setembro.

As missões das equipas SEAL existem desde o tempo do Kennedy, quando tiveram o seu primeiro embate no Vietname, mas nunca estiveram tão activas como desde 2001, depois dos atentados do 11 de Setembro, lembra Phil Bronstein.

The Shooter” correu vários riscos, sem no fim receber qualquer recompensa, conclui. Será que ele se importa? Bronstein olha para ele e acredita que não. E cita o próprio atirador: “Não sou religioso, mas sempre senti que tinha nascido para fazer algo específico. Depois dessa missão, soube o que era.”
 
 
 
 

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