mbv: O novo disco dos My Bloody Valentine analisado à lupa

O inesperado lançamento de mbv, o primeiro disco dos My Bloody Valentine em 21 anos, lançou ondas de choque pelo mundo da Internet.

Foto
A capa do novo álbum, após 21 anos, dos My Bloody Valentine DR

Milhares ficaram acordados até tarde para sacar o álbum, houve quem dormisse pouco para o fruir, loas foram tecidas ao primeiro segundo de escuta. Aqui ficam as nossas primeiras impressões.

Busca aleatória pela net: Ana põe faixa nova dos My Bloody Valentine (MBV). Sara escreve: “Estou a ouvir *lágrima*”. Ana responde: “Same here, Sara. Goosebumps.”

Esta cena repete-se em todas as dobras binárias do espaço virtual: gente comovida porque, finalmente, ao fim de 21 anos, chegou mbv, o terceiro longa-duração dos My Bloody Valentine, que pode ser comprado em www.mybloodyvalentine.org, em diversos formatos (formato digital, cd ou vinil).

Desde que foi colocado online na madrugada de sábado, mbv tem derretido os corações dos melómanos, mesmo os que mal eram nascidos quando os MBV encerraram actividade, que desataram a aclamar cada átomo de som, mal a primeira onda sonora lhes chegou ao tímpano. Para a comunidade melómana, isto é um milagre, visto Kevin Shields ter uma tendência para reter a sua criação maior que a de Vitor Gaspar para reter os nossos vencimentos.

Um aviso: este é o disco que vos fará odiar os vossos laptops, porque o som não está, em formato digital, ao nível da precisão de Loveless – ou, por outro lado, as colunas de um laptop não têm arcaboiço para isto.

Segundo aviso: isto não é uma crítica a mbv. Estivemos 21 anos à espera do disco, por isso Kevin Shields que espere umas semanas até fazermos uma crítica séria. (Terceiro aviso: esta piada é muito semelhante à que o jornal The Guardian fez a propósito do disco; mas como já a tínhamos escrito achámos um desperdício inutilizá-la.)

O que se segue é uma descrição faixa-a-faixa de mbv, após uma noite muito mal dormida a ouvir o disco e uma manhã com demasiado café.

1 – She found
Guitarras saturadas e voz abafada, som típico dos MBV. Parece ter saído directamente do primeiro disco e é o mais próximo que os MBV estiveram de fazer uma balada. A irmã da Beyoncé vai fazer versão disto ao piano quando chegar aos 30 anos. A meio há umas voltas (belas, belas) de guitarra que lembram as guitarras de Loveless. Primeira sensação que se tem ao ouvir isto após 21 anos de espera: é como marcar café com a namorada de adolescência e ela ainda estar bonita e sentir-se um friozinho na barriga. Aguenta, coração.

2 – Only tomorrow
E pronto, é oficial: o regresso dos MBV é MBV-clássico. Guitarra suja, suja, em oposição à voz de Bilinda Butcher, que continua um ciciar de menina mimada. As vozes parecem estar ligeiramente menos enterradas na mistura que em discos anteriores e há menos camadas de som que em Loveless. A meio do tema uma guitarra sobe à boca de cena e faz um esforço tremendo por fugir à nota “pura”. Estimativa do número de pedais de delay usados: aproximadamente 600. A faixa contém ainda o uso mais estranho de uma harmónica desde que Bob Dylan enganou toda a gente fazendo de conta que sabia tocar. Probabilidades de não ser realmente uma harmónica: 20/21. No final surge uma óptima linha melódica de guitarra, muito bem definida, coisa que não acontecia em Loveless. Mas parece um saxofone. Se for um saxofone pedimos desculpa. (Adenda: o título podia ser uma piada aos constantes atrasos na saída do disco.)

3 – Who sees you
Break de bateria e guitarras envoltas em electricidade estática a descambar, com o final da frase de guitarra em bended notes: bem-vindos a 1991. Brian Eno dizia que os MBV eram vagos? Então ele que ouça Who sees you: todo o tema parece ter sido criado à volta do mote “Até que ponto posso fugir à nota conseguindo uma desafinação bela?” O único problema de mbv até agora é não se ouvir o baixo. No final uma voluta de guitarra bate o recorde de maior quantidade de delays usados na história do rock – sendo que esta “onda” de guitarra vale pelo tema todo. Parece um tutorial de como fazer uma canção à MBV.

4 – Is this and yes
Presume-se que tenha aberto a parte do disco em que Kevin Shields finge que não ficou preso a 1991. Um órgão que não é bem Hammond, mas tem o mesmo grau de harmónicos, fica a pairar enquanto Bilinda Butcher sussurra qualquer coisa ininteligível. É notório que estamos todos demasiado sóbrios para apreciar isto.

5 – If i am
Os MBV valem por detalhes de uma geekness infinda: a faixa abre com um tremendo arranjo de guitarra abafado por um manto de efeitos, e o arranjo soa como as pontuações de metais num tema jazzy de strip. É a segunda proto-balada do disco e começa a adensar-se a hipótese de mbv vir a ser usado assaz vezes para efeitos de concubinato. O Jorge M. pergunta: “Será o final de If I Am uma homenagem ao intro de Baba O'Riley dos Who?”. Não sabemos, mas faz todo o sentido que um disco que demora 21 anos e parece ter sido escrito com uma bebedeira monumental homenageie uma banda cujo baterista passou pelo menos 21 anos bêbedo em casas de strip.

6 – New you
Lembram-se de como Loveless gingava? Pronto, aqui está a ginga, a última peça que faltava para definitivamente mbv ser uma rima do seu antecessor. De volta estão também aqueles sons de sintetizador que parecem flautas digitais. New you tem toda a pinta de ter sido escrita durante um passeio pelos canais de Amesterdão, numa barca, após a ingestão de space-cakes. Na net escreve-se: “Não dá vontade de invadir a Polónia, mas dá vontade de invadir a vizinha”. Calma com isso, companheiro.

7 – In another way
Muito sujeira logo a abrir, com a percussão por todo o lado, a esforçar-se por ser moderna. É curioso: este disco provoca, em quem tem 35 anos ou mais, a estranha sensação de estar de volta a casa dos pais, à espera que nos chamem para jantar e perguntem pela nota do exame de Processamento de Sinal. A melodia de voz imita a figura de guitarra, que, por sua vez, oscila dentro e fora da nota “pura” como um pesqueiro em maré alta. Uma figura melódica completamente alucinada surge lá pelo meio. Isto TEM de ser ouvido aos berros. No fim, uma quantidade incomensurável de linhas de guitarra desatam à chapada. Calma doces guitarras, é só indie-rock, não é preciso tanta agressividade.

8 – Nothing is
Descrever mbv é incorrer no risco de repetir a frase “Esta abertura lembra Loveless”: break de bateria por cima de guitarra escalavrada, cujo som parece ter sido obtido através de 40 pedais de delay, o volume do amplificador colocado no 11 e quatro martelos pneumáticos a escavacar a mesa de mistura. A bateria cresce e cresce e talvez no caso de Nothing is se possa dizer que dá vontade de invadir a Polónia. Este tema parece ter a preferência dos internautas, mas há opositores. Na net, a Joana M escreve: “Ainda dá para ser polémico em 2013? A Nothing is é labrega. Serve para encher o olho aos fãs das bandas adolescentes tipo Fuck Buttons que apareceram depois dos Dan Deacons deste mundo a fazer rock catatónico com barulho mal usado para drogados de electrónica”. Calma, Joana. Invade a Polónia.

9 – Wonder 2
Outra das preferidas dos internautas. Escreve o Paulo P: “Eu levantei-me cedo só para apanhar o helicóptero que passa pela Wonder 2”. O helicóptero é o breakbeat em fundo em que o tema assenta. A voz de Blinda Butcher é manipulada e abafada, e depois surge uma linha de guitarra que soa a uma mãe elefante a chamar os seus filhos para a janta. Presume-se que isto fosse uma balada pop mas alguém despejou vinho tinto na fita magnética ao mesmo tempo que um trovão atingiu a mesa de mistura acelerando a batida. Isto acontece uma vez a cada 21 anos. E pronto, para já é isto. Se mbv tivesse saído imediatamente a seguir a Loveless estaríamos a falar de uma obra-prima. Assim estamos a falar de pelo menos uma mão-cheia de grandes temas à guitarra, com talvez um pouco menos de complexidade que o que eles fizeram nos idos de 1991. As experiências com breakbeats talvez sejam o menos conseguido do disco. De resto, é impressionante o que Kevin Shields consegue fazer com uma guitarra.

Dentro de 21 anos voltaremos a esta página para verificar o nosso grau de arrependimento perante o que escrevemos.

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