OCDE diz que Portugal cortou na Saúde o dobro do que negociou com a troika

Relatório destaca cortes nas despesas com o pessoal e “concentração e racionalização” da oferta em centros de saúde e hospitais como principais caminhos seguidos.

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As despesas com internamentos têm descido mas os cuidados continuados continuam a gerar mais despesa Adriano Miranda

As medidas do Governo de contenção da despesa no sector da saúde fizeram com que Portugal acabasse por cortar o dobro do que era exigido no memorando de entendimento com a troika, diz um relatório da OCDE.

Esta é uma das principais conclusões do relatório Health Spending Growth at Zero – Which countries, which sectors are most affected?, que acaba de ser publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e que compara os cortes no sector da saúde em vários países. A OCDE ressalva que este relatório limita-se a analisar as tendências e não a discutir a eficácia das medidas ou o seu efeito no estado de saúde da população. O relatório refere que a Alemanha foi o único país da OCDE que não registou um abrandamento na taxa de despesa em Saúde em 2010, em comparação com os anos anteriores.

Num dos pontos do documento, a OCDE refere que o Governo português assumiu o compromisso de fazer “poupanças significativas” no sector da saúde em 2011 e 2012, nomeadamente através de cortes nas despesas com o pessoal, “concentração e racionalização” da oferta em centros de saúde e hospitais do Serviço Nacional de Saúde e cortes nos benefícios obtidos através dos impostos, como as deduções de despesas em sede de IRS.

“Em Setembro de 2011, o país anunciou uma redução de 11% no orçamento do Serviço Nacional de Saúde para 2012, o dobro do corte do memorando de entendimento com a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional”, lê-se no documento. Numa das tabelas, as contas da OCDE apontam para que a despesa em 2011 tenha caído 5,2% face a 2010, quando a média de todos os países que integram a organização foi de um crescimento de 0,7%. Tudo isto fará com que o país alcance em 2013 uma despesa pública em Saúde pouco superior a 5,1% do produto interno bruto (PIB), quando a média da zona euro se estima que seja na ordem dos 7%. Em 2010 a despesa portuguesa representava mais de 10%.

Segundo o documento, depois da crise económica e financeira que estalou em 2008, diversos países começaram a tentar conter o contínuo crescimento da despesa no sector da saúde, alcançando taxas na ordem dos 0% em 2010 e conseguindo mesmo valores negativos em 2011.

Ao final da noite desta sexta-feira, o Ministério da Saúde desmentiu os dados da OCDE, acusando a organização de ter confundido dados dos universos EPE [Hospitais Entidades Públicas Empresariais] e SNS [Serviço Nacional de Saúde].”

Por email, a assessora do ministro assegurou que “o orçamento do SNS para 2012 (expurgando o efeito do Plano de Regularização de Dívidas) registou uma redução de 4,67% e não de 11%”. “Analisando a conta do SNS, verificou-se uma redução da despesa total em 2012 de cerca de 600 milhões de euros (-6,8%)”, especifica.

Há, segundo afirma, uma confusão “entre o processo de privatização dos HPP [Hospitais Privados de Portugal] e o inexistente processo de privatização dos EPE”. Assumiu-se que o HPP “estaria integrado na rede do SNS, o que como se sabe não é correcto”.

A mesma receita em vários países
No mesmo relatório, a OCDE acrescenta que, independentemente do país, a receita para controlar a despesa pública neste sector tem sido quase sempre a mesma e passa por três caminhos: ajustar orçamentos, aumentando as contribuições dos cidadãos; regular a procura de serviços; e controlar o custo dos cuidados prestados. Aliás, a contenção de custos têm sido feita tanto nos medicamentos como nos cuidados ambulatórios, hospitalares e serviços administrativos. Só a área de cuidados continuados tem continuado a exercer uma forte pressão nos orçamentos, continuando a crescer, ainda que a um ritmo mais controlado.

Em muitos países, em especial na Estónia, Irlanda e Hungria, a estratégia tem também passado por “grandes reduções nas verbas alocadas à prevenção e saúde pública entre 2008 e 2010”, alerta o documento, que destaca Portugal como um exemplo de um país em que os orçamentos para estas áreas têm subido, apesar da contenção noutros parâmetros. Sobre a política do medicamento sublinha-se que Portugal introduziu uma série de medidas destinadas a reduzir o preço dos fármacos, assim como centralizou a compra deste tipo de produtos em meio hospitalar, criando ainda linhas orientadoras de apoio à prescrição dos médicos.

Impactos a longo prazo
Em Novembro, a OCDE já tinha divulgado dados que indicavam que as despesas de Saúde tinham caído em toda a União Europeia em 2010, o que aconteceu pela primeira vez em décadas devido aos esforços dos governos para conterem os défices orçamentais e conseguirem convergir com as metas de Bruxelas. O documento advertia, contudo, que a redução ou abrandamento da despesa poderá ter um impacto a longo prazo nos cuidados de saúde.

“É importante assegurar um acompanhamento contínuo dos dados e dos indicadores no domínio da Saúde e dos sistemas de Saúde, a fim de obter indícios do impacto potencial da alteração das circunstâncias económicas e das políticas de Saúde ao nível do acesso aos cuidados, da sua qualidade e dos seus resultados”, referia o relatório, que dizia ainda que a redução da despesa pública foi conseguida através de medidas que incluíram a redução de salários, o aumento dos pagamentos directos por parte dos utentes e a imposição de restrições orçamentais nos hospitais.

O documento destacava que a percentagem do PIB dedicada à Saúde estabilizou ou desceu em 2010, com os Estados-membros a afectarem em média 9% do respectivo PIB. Portugal situava-se ligeiramente acima desta média, com 10,7%.

Já antes, em Junho, um outro relatório do mesmo organismo dizia que um pouco por toda a Europa os governos estavam a cortar nas despesas com a Saúde e em 2010, ao contrário do que era tendência desde 2000, o crescimento dos gastos no sector foi nulo ou muito baixo. O documento dizia que Portugal não foi excepção, tendo-se passado de um ritmo de crescimento de 2,3% para 0,6%. Mas em plena crise os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente do seu bolso despesas com saúde: 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE.

O relatório destacava que Portugal, em termos de percentagem do PIB, gastava um pouco acima da média da OCDE, mas, se os números forem vistos à lupa, ou seja, quanto é alocado neste sector por habitante, a média é bastante inferior à dos países da OCDE: os gastos em Saúde per capita são de 2196 euros, enquanto na média dos países chega aos 2631 euros. Nos EUA, por exemplo, é de 6629 euros.
 
Notícia actualizada com reacção do Ministério da Saúde
 

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