Investimento em acções

Numa altura em que tanto se fala de mercados, aos quais atribuímos tanto de bom como de muito mau que nos acontece, parece-me oportuno reflectir sobre a sua utilização para efeito de investimento, em particular no investimento em acções.

Salto um pouco por cima da avaliação da bondade de um sistema financeiro que permite às empresas o acesso aos recursos que precisam para o seu funcionamento e aos aforradores uma forma de aplicação das suas poupanças. Admito que possa não ser o melhor sistema, caso contrário todos os utilizariam, e assumo alguma preferência em relação às alternativas baseadas na mediação bancária mas independentemente das ideologias ou políticas que nos fazem preferir este ou outro sistema o facto é que ele existe e não o utilizar é abdicar de um potencial enorme para o bom funcionamento da economia e ainda de um futuro melhor para as nossas vidas.

Será evidente que nem todos temos a capacidade de poupar e muito menos a apetência por investimentos que envolvam risco, o investimento em acções não é aconselhável para todos por diversas razões mas é um excelente veículo de investimento para quem se sentir confortável com o seu funcionamento. A minha pretensão é fazer uma abordagem prática deste assunto, mostrar um pouco como funciona este mercado, deixar alguns conselhos para os que já o utilizam e estimular a curiosidade para os que acham que não é para eles.

Algum conhecimento técnico como suporte às decisões de investimento é naturalmente importante mas desenganem-se os que pensam que será factor suficiente. A história e o conhecimento empírico mostram bem que os factores de sucesso no investimento estão muito mais ligados à disciplina na actuação dos investidores do que em qualquer método científico nas diversas opções. Curiosamente sobre este ponto realço o caso da LTCM, sociedade gestora de fundos criada em 1994 por um reconhecido “expert” no mercado de obrigações, John Meriwether, que contou na administração com Myron S. Scholes e Robert C. Merton, dois reconhecidos académicos que receberam o prémio Nobel de economia em 1997 com o seu meritório trabalho sobre a avaliação de derivados. Até 1997 conseguiram resultados fantásticos, com rendibilidades próximas dos 40% por ano, mas em 1998 perderam 4,6 mil milhões de dólares em menos de 4 meses e no ano 2000 já tinham fechado as portas.

Existirão milhares de livros sobre este tema. Se eu tivesse de aconselhar apenas um não teria dúvidas a indicar “The inteligente investor” escrito por Benjamim Graham, publicado pela primeira vez em 1949. Diria até, não tentem investir em acções sem ler este livro, poderá tudo correr muito bem mas é fundamental que se entendam os aspectos mais importantes que levam os preços das acções a seguir um percurso que tem muito de aleatório. Mas este livro ensina algum método milagroso de ficar rico? Não, isso é coisa que não existe mas fala-nos em três aspectos da maior importância: (1) como se pode minimizar prejuízos, (2) como se aumentam as possibilidades de se obterem lucros consistentes e (3) como nos devemos defender de uma série de comportamentos que afastam a maioria dos investidores do seu máximo potencial. É que a arte, se assim lhe podemos chamar, no investimento em acções, tem muito mais a ver com a gestão do risco do que até com as melhores escolhas nos activos a incluir na carteira. Graham começa por nos dizer que para se ter sucesso é preciso ser um investidor inteligente mas isso não significa ter um QI de 130, longe disso, temos montanhas de pessoas com uma inteligência reconhecidamente acima da média que fazem os maiores disparates em termos de investimento, o que estamos aqui a falar é muito mais uma questão de carácter, é aproveitar a inteligência de modo a conseguir controlar as emoções que nos levariam a actuar nos mercados financeiros de um modo irracional.

Duas coisas bem distintas que muitas vezes se baralham são os métodos de avaliação de acções e os cuidados a ter na gestão de uma carteira de investimento. A escolha das melhores acções é um passo importante mas muito mais relevante para o sucesso no investimento é a gestão activa da composição da carteira.

Mas se mesmo com conhecimento técnico podemos comprar hoje uma acção que pode valer menos daqui a algum tempo porque nos haveremos de dar ao trabalho? Bom, muito em resumo, porque o retorno no investimento neste tipo de activos tende a compensar este tipo de riscos, em especial quando o investimento se realiza com um adequado horizonte temporal. Temos outra razão mais terra a terra, que vale o que vale, é que haverá mil e uma maneiras de ficar rico mas muitos concordarão que se resumem a duas, herdando ou investindo nos mercados financeiros. Como herdar não é opção para a grande maioria mais vale aprender um pouco como se investe, não que isso garanta alguma coisa, mas ajuda. Os portugueses sempre tiveram pouca tradição no investimento, acho que posso afirmar que é uma questão cultural, de alguma aliteracia financeira, da memória de muitas nacionalizações a preços absurdos, do perfil de risco e fundamentalmente do que entendem ser a necessidade de poupança e a tradição na utilização dos depósitos a prazo que bem conhecem e que se habituaram a ver sem risco.

Costumo dizer que a escolha na compra de acções é um processo bem mais simples do que as pessoas em geral imaginam, enfim, é uma forma de dizer, poderemos usar modelos de avaliação mais ou menos complexos, resumirei os mais utilizados, mas não convém esquecer o seguinte, os factos mais relevantes que condicionarão as cotações futuras de uma acção são os futuros e por isso, por natureza, impossíveis de se conhecerem hoje, esta aliás a razão evidente para o carácter aleatório da rendibilidade neste tipo de investimento.

Passemos à parte prática. Como se faz! Comecemos pelo mais simples e tantas vezes esquecido. O melhor método de avaliação para uma acção é ver a cotação a que está a ser negociado, mais nada, não se tem que fazer nenhum cálculo, nada, é aquele preço! O mercado, desde que com uma dimensão razoável, conjuga os interesses de muita gente, gente que acha que a acção vale mais ou menos do que o que o preço que é negociado e gente com perspectivas diferentes quanto ao prazo que pretendem investir. Tudo isto junto resulta na melhor avaliação de uma acção e digam-me se não é muito mais simples do que a generalidade das pessoas imaginam. Bom, mas isto quer dizer que não devemos ter uma abordagem critica quanto ao preço quando decidimos investir? Claro que não, todas as análises são bem-vindas mas para nos ajudarem a conhecer os pressupostos que implicitamente o mercado está a utilizar e em relação a esses pressupostos é que poderemos ter uma perspectiva diferente e ajudará saber que efeito isso poderá vir a ter no valor futuro da acção. Confusos? Vou dar um exemplo: as acções da Apple valiam há poucos meses $705 cada uma e hoje valem $457. Comecemos por não baralhar as datas, as acções não estavam caras nem baratas nos $705 nem o estão agora a $457, o que existiam eram estimativas diferentes quanto ao futuro da empresa em Setembro do que existem hoje, nomeadamente quanto a coisas como margens brutas do que vendem e capacidade de crescimento do volume de negócios. As tais metodologias de avaliação servem para conhecer este tipo de estimativas. Decidir comprar hoje ou não tem a ver com a nossa análise crítica a estas estimativas implícitas. Por exemplo, o crescimento das vendas desta empresa foi, nos últimos 10 anos, entre 30% a 60% por ano, as margens brutas nos últimos anos andaram entre os 40% e os 45% das vendas e as margens liquidas a rondar os 25%. Estes são números perfeitamente fantásticos e permitiram, por exemplo, que quem tivesse comprado uma acção quando a empresa foi para o mercado, em 1980, por $22, que entretanto com três desmultiplicações teria hoje 8 acções, tivesse valorizado o seu investimento de $22 para $3656. Mas claro que a evolução passada vale o que vale. A empresa gerou um fluxo financeiro no ano de 2012 de 41.454 milhões de dólares, se eu pensar que este fluxo pode continuar a crescer a 60% ao ano será fácil justificar que uma acção destas deveria valer hoje $11.000. Como investidor o que me interessa é, quanto é que o mercado, a este preço de $457, estima que aquele fluxo financeiro cresça anualmente? A resposta, conjugando outros pressupostos menos relevantes e que o crescimento seja igual nos próximos 10 anos é de 3,16% por ano. Em resumo, eu sei que a acção vale hoje $457 que corresponde a uma perspectiva de crescimento dos fluxos financeiros gerados anualmente de 3,16%. Agora a parte mais subjectiva, mas eu acho, daquilo que conheço desta empresa, do que vejo a ser praticado nos concorrentes, do que me agrada ter um iPhone e um computador Mac, do valor que o meu filho atribui ao seu iPod, seja do que for, que esta empresa vai continuar a crescer a uma taxa entre 6% e 10% ao ano. Bom, a 6% de crescimento naqueles fluxos, as acções valem hoje $530 dólares e a 10% valeriam $660. Então compro, a não ser que veja melhor alternativa.

A utilização de vários modelos de avaliação fazem-me todo o sentido, aceito até que alguns sejam mais adequados a determinados tipos de empresa mas um erro muito frequente que chega a ser apresentado por profissionais no ramo, nos estudos sobre empresas, que divulgam aos seus clientes, é considerar que uma boa estimativa quando ao valor real de uma acção é uma média dos resultados de cada modelo. A CMVM devia prender essa gente, haverá pouco de mais errado do que esta prática. O analista deve usar vários modelos de avaliação, mas perceber que cada um deles é uma aproximação simples da realidade tendo em conta determinados pressupostos. A primeira fase da análise do valor de uma acção termina quando se determinam os pressupostos que em cada modelo resultam num valor para acção igual ao preço que está a ser praticado no mercado. A acção, como se compreende, não vale coisas diferentes pelo modelo que se usa. O segundo passo é alterar os pressupostos de cada modelo com as nossas perspectivas de modo a avaliar o impacto no valor da acção mas também aqui devemos chegar ao mesmo valor final. Só analisando a coerência dos parâmetros utilizados em cada modelo que nos conduz ao mesmo valor é que podemos ter alguma confiança na nossa análise.

Agora uma parte mais delicada, quanto tempo demora a avaliar uma acção desta maneira e quantas acções devemos avaliar? Pela minha experiencia diria que demora no mínimo entre uma a duas semanas a avaliar uma empresa com estes cuidados. E seriam centenas ou milhares as empresas que deveríamos analisar. Em resumo, tudo isto é meio treta porque não se faz em tempo útil, venha o mais pintado. De facto, aqui entra a característica mais importante de um bom gestor, seja no que for, a decisão tem que ser tomada em tempo útil e com informação incompleta. Mas assim não é justo, podemo-nos enganar muitas vezes, pois é verdade, o mundo não é justo mas isso não será surpresa. E assim voltamos ao início, tanto ou mais importante que saber escolher as acções é saber gerir a sua carteira de investimentos. Por exemplo, o mercado deixa-nos transmitir uma ordem “stop” para limitarmos o prejuízo num determinado investimento, basicamente é dizermos, compramos a 10 mas não queremos perder mais que 3 e então se por acaso o preço vier a cair e se chegar aos 7 eu vendo e assim não perco mais. Desculpem-me a opinião, até porque cada vez se utilizam mais este tipo de ordens, isto é um disparate sem pés nem cabeça e não faz qualquer sentido financeiro ou económico. Outra coisa bem diferente é dizer, eu quero limitar as perdas da minha carteira a 20% neste ano ou nos próximos três anos. Isto já faz todo o sentido mas, infelizmente não se faz com ordens stop, faz-se com opções ou melhor, faz-se com base no conceito das opções, mas atenção, se as coisas correrem muito bem e as acções subirem não vamos ganhar tanto como se não estivéssemos protegidos contra uma descida. Esta é a parte bonita dos mercados, podemos correr o risco que quisermos conforme o nosso próprio perfil como investidor, no limite até poderemos anular todos os riscos mas aí, nesse caso extremo, teremos um retorno equivalente a uma taxa de juro sem risco, no limite e a prazo igual à inflação.

Mesmo reconhecendo que não é possível aplicar a melhor metodologia na escolha das acções a comprar  vejamos muito em resumo os métodos que existem. Em primeiro lugar costuma-se distinguir entre análises chamadas técnicas (ou gráficas) e análises fundamentais. Na análise técnica o analista tenta determinar a evolução futura do preço com base numa análise gráfica do histórico das cotações, pessoalmente sou muito crítico a este método como método de previsão, sinto-me até muito à vontade com esta minha opinião já que, em termos académicos, já defendi com sucesso o contrário numa tese em que provava que este método podia produzir resultados consistentes mas na minha opinião a análise técnica tem (quase) como único mérito impor uma disciplina na actuação nos mercados, que aceito no entanto poder ser mais importante que o próprio método de escolha das acções. Na análise fundamental distinguem-se ainda duas categorias, os modelos de avaliação absoluta e os modelos de avaliação relativa. Nos modelos de avaliação absoluta, os meus preferidos, tenta-se determinar o chamado valor intrínseco da acção e o mais usado é o DCF (discounted cash flow model) que em resumo é uma actualização dos fluxos financeiros estimados que serão gerados pela empresa. Nos modelos de avaliação relativa compara-se a empresa com empresas similares, normalmente pela comparação de rácios financeiros, como por exemplo o P/E (o quociente entre o preço e o resultado por acção), o P/B (o múltiplo do preço em relação ao valor contabilístico) ou o P/S (o preço em relação às vendas). Este é o método que eu vejo a ser mais utilizado, pela sua simplicidade mas há que ser muito cauteloso, quando há uns anos as chamadas empresas “.com” só subiam é porque se utilizava este método para justificar o valor de cada uma, até que se chegou à conclusão que afinal estavam era todas sobreavaliadas.

Juntando os vários conceitos vejam o hipotético raciocínio que poderei estar a fazer em relação à Apple (e continuo a usar esta empresa não por preferência particular mas para continuar com o mesmo exemplo): 

  1. Avaliações de casas de investimento como a Morningstar, a Merrill Lynch, a Morgan Stanley, o J.P.Morgan, o Deutsche Bank e a Goldman Sachs apontam como valor da empresa valores entre os $700 e os $880,
  2. A empresa tem uma história recente de sucesso nos seus produtos e continua a dizer que mantém em estudo outros que não nos dizem. Para além disto tem uma capacidade financeira invulgar com cerca de 40.000 milhões de dólares em liquidez,
  3. Isto já não impressiona ninguém e as cotações desceram de 705 para 457 dólares,
  4. Concorrentes como a Nokia, a Blackberry, a Google e a Sansung produzem produtos igualmente bons a preços mais baixos o que levará a Apple a ter que reduzir as suas margens,
  5. O P/E da Apple anda pelos 10 quando em média o múltiplo dos concorrentes é mais alto, por exemplo, da Microsoft é 15.
  6. Não está previsto nenhum lançamento de um novo produto este trimestre,
  7. Com um P/E entre os 10 e os 12 e os resultados por acção estimados para este ano entre os 45 e os 50 dólares, a cotação poderá chegar a valores entre os $450 e os $600
  8. Durante este ano a Apple continuará a melhorar os seus produtos de modo a manter a distância para a concorrência e poderá lançar a iTV.
  9. O que decidir?
Em conclusão, o investimento em acções pode ser um excelente veículo de investimento para parte das suas poupanças, indico o livro de Benjamim Graham como o mais importante antes de considerar algum investimento deste tipo, a gestão de carteiras, que aqui não foi tratada, pode ter um efeito mais importante no resultado final do que a escolha das acções, nunca temos a informação completa em tempo útil para tomarmos a decisão de comprar ou de vender. No final ganha dinheiro quem souber gerir o risco e não ganha nada quem decidir não comprar destas coisas.

Consultor em projetos de investimento e seguros de crédito

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