Críticas e aplausos para Armstrong

Lance Armstrong confessou, numa entrevista a Oprah Winfrey, que tinha usado doping durante a sua carreira de ciclista. As reacções são díspares: há quem não acredite na sinceridade; há quem ache que é um passo na direcção certa.

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Lance Armstrong confirmou que venceu sete vezes a Tour de France sob o efeito de doping Nathalie Magniez/AFP

Rick Reilly, jornalista do ESPN, acreditou na versão de Armstrong durante 14 anos, mas bastou um email de duas linhas para a crença se desmoronar.

Rick Reilly, jornalista do ESPN, sempre acreditou na versão de Lance Armstrong. Ao longo de 14 anos, escreveu em artigos de jornal ou no Twitter frases como:  "Ele está limpo" ou "É o atleta mais testado do mundo. Testado talvez 500 vezes. Nunca falhou um teste". Porém, nesta quarta-feira, recebeu um email de duas linhas em que o ex-ciclista lhe pedia desculpa: "Riles, desculpa. É tudo o que posso dizer para já, mas é também o mais sincero. Duas palavras importantes."

"Sabes que mais? Fica com o email, porque eu não acredito na tua sinceridade", reagiu, agora indignado, Reilly numa entrevista a um programa do ESPN, depois da confissão de Armstrong de que, afinal, as sete vitórias seguidas na Volta a França tiveram a ajuda de substâncias dopantes.

"Durante 14 anos ele mentiu-me. Eu perguntei-lhe dezenas e dezenas de vezes e de todas as vezes ele ficava zangado e perguntava como é que eu podia acusá-lo, mas ele mentiu-me", conta o jornalista, acrescentando que se sentiu "um idiota" por mentir aos seus leitores.

Uma confissão na direcção certa 
Pelo contrário, o presidente da Agência Anti-Doping dos Estados Unidos (USADA), Travis Tygart, numa nota enviada aos meios de comunicação, afirmou que o ex-ciclista deu "um pequeno passo na direcção certa", ao admitir que se tinha dopado ao longo da carreira. Tygart considera que Armstrong deve agora prestar as mesmas declarações sob juramento para provar a sua sinceridade. Foi um inquérito realizado pela USADA que levou a que o norte-americano abandonasse o ciclismo.

Por sua vez, o presidente da União Ciclista Internacional (UCI), Pat McQuaid, considera que as declarações de Armstrong divulgadas na primeira parte da entrevista a Oprah Winfrey representam “um importante passo em frente num longo caminho para reparar os danos que causou ao ciclismo”, cita a AFP.

McQuaid realçou que Armstrong desmentiu qualquer complô entre ele e a UCI, garantindo que todas as doações feitas por si junto da instituição tinham por objectivo apoiar a luta contra o doping. "Reparámos que Lance Armstrong expressou um desejo de participar num processo de reconciliação verdadeiro, o que nós acolheríamos”, disse McQuaid ao site VeloNation.

"Uma vergonha para o desporto" 
Para o tenista sérvio Novak Djokovic, actual número um do ranking mundial masculino, “é uma vergonha para o desporto ter um atleta como ele”. “Ele traiu o desporto. Traiu muita gente no mundo inteiro com a sua carreira, com a sua história”, diz.

Djokovic afirmou ainda ter perdido a confiança no mundo do ciclismo e considera que Armstrong “merece sofrer”. O tenista concorda com as medidas anti-doping e diz que não se importa de ser testado várias vezes por ano, desde que isso também aconteça noutras modalidades.

O ciclista francês Laurent Jalabert questiona até que ponto a confissão de Armstrong não passa de uma estratégia: “Talvez ele ainda tenha projectos, talvez tenha sido forçado a passar a estas confissões e a reconhecer que fez batota para poder fazer outra coisa”, cita a AFP. Para Jalabert, depois de várias reviravoltas no caso Armstrong, “não se pode dizer que [a confissão] seja a última etapa.”

A Live Strong, a organização não-governamental que Armstrong criou para apoiar a luta contra o cancro – doença que lhe foi diagnosticada em 1996 – considera a confissão do ex-ciclista uma desilusão. “Estamos desiludidos com as informações segundo as quais Armstrong tem enganado as pessoas durante e após a sua carreira de ciclismo, incluindo nós mesmos", disse o porta-voz da organização à AFP.

O ciclista Stuart O’Grady, que muitas vezes se cruzou com Armstrong nas montanhas nas 4 vezes em que participou na Volta à França, diz sentir-se “decepcionado, irritado e frustrado” com a confissão do norte-americano. “Todos queríamos acreditar que ele estava a ganhar as Tour [de France] limpo. Somos todos atletas que sofremos nas montanhas e gostávamos de pensar que ele estava a treinar e a trabalhar tao intensamente como nós”, diz O’Grady, citado pela Reuters.

O ciclista realça que vai ser interessante esperar pela emissão da segunda parte da entrevista de Armstrong com Oprah Winfrey, considerando, porém, que nada do que o atleta terá dito possa apagar o seu sentimento de desilusão. 

Necessidade de repensar o doping
O director da Volta a Portugal, Joaquim Gomes, defendeu esta sexta-feira que a confissão de Armstrong deve “promover um debate profundo sobre a questão da dopagem”. “Há que aproveitar este momento e se tiverem de rolar mais cabeças nas mais altas instâncias do ciclismo, elas que rolem”, observou, em declarações à agência Lusa, o vencedor da Volta a Portugal em 1989 e 1993.  

Joaquim Gomes considera que o ciclismo “já há alguns meses estava em estado de alerta à espera desta entrevista” e que a modalidade “vai ser capaz de resistir a mais este golpe”, realçando que os ciclistas são os atletas que “mais fazem na luta contra a dopagem”.

Uma entrevista sem novidades em que Armstrong falou "muito pouco e muito tarde"
Para o vice-presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, Armstrong exprimiu-se “muito pouco e muito tarde” aquando da entrevista com Oprah Winfrey, diz a AFP.

Bach considera que a entrevista não contém nenhuma novidade em relação ao relatório já divulgado pela USADA, a agência americana anti-doping, e que o ciclista deveria ter sido “interrogado por especialistas e as suas respostas deveriam ter sido completas.”

O Comité Olímplico Internacional exigiu esta quinta-feira que Armstrong devolvesse a medalha de bronze conquistada numa prova de contra-relógio nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000.

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