Livros: o que aí vem

Escolhas de Helena Vasconcelos, Isabel Coutinho, João Bonifácio e José Riço Direitinho

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Karl Ove Knausgård escreveu um dos mais recentes “fenómenos” da literatura nórdica DR

A luta de Karl Ove Knausgård
A Minha Luta (cujo título original, Min Kamp, remete para a obra de Hitler, Mein Kampf) é um dos mais recentes “fenómenos” da literatura nórdica: seis volumes de uma ficção com traços autobiográficos, do norueguês Karl Ove Knausgård (n.1968). As controvérsias, as discussões sobre a ética literária do autor, os elogios da crítica e os prémios não têm faltado. O crítico inglês James Wood dedicou-lhe um longo e elogioso artigo na revista New Yorker, e sublinha que este é um “trabalho intenso”, de grande “variedade narrativa”, que a “luta com a morte” coloca sob a égide de Benjamin.

Knausgård não deixa nada de fora da sua evocação memorialista: os pormenores da morte do pai alcoólico (um professor sombrio que abandonou a família), da avó incontinente, dos seus dois casamentos, da doença bipolar da sua actual mulher, da vida da mãe e do irmão, tudo é sujeito a uma examinação minuciosa. Por vezes, por entre o sublime das descrições, o quase exaustivo trabalho de leitura evoca o sofrimento que deve ter sido o acto da escrita. São seis volumes que podem ser lidos de maneira independente e que a Ahab começa a traduzir para português este ano.

Um épico finlandês
Kalevala é um longo poema épico – dividido em 50 cantos – que resulta do trabalho inspirado do finlandês Elias Lönnrot (1802-1884), um médico que durante as suas viagens pela região da Carélia foi compilando elementos do património tradicional: lendas, mitos da criação do mundo, fábulas, baladas, poemas líricos e épicos, cantos rituais xamânicos, salmos, esconjuros, episódios adaptados da cultura judaico-cristã, invocações pagãs, cantos fúnebres, etc. Para criar tensão narrativa, Lönnrot inventou uma intriga entre duas regiões (à semelhança do poema homérico, Ilíada) e um tesouro mágico, rejeitou grandes partes de poemas e reescreveu muitos versos, criando um mundo mágico habitado por deuses e heróis com paixões humanas e telúricas. Este clássico da literatura inspirou, entre muitas outras figuras, o compositor Sibelius e o escritor Tolkien; e ainda hoje muitas são as bandas de heavy metal que fazem daquele poema épico um culto.

Mais de 150 anos depois, o Kalevala vai ser publicado em Portugal (sai em Fevereiro, pela D. Quixote), traduzido directamente do finlandês, num trabalho paciente e apurado de duas professoras da Universidade do Algarve – existia até aqui uma publicação de 2007, traduzida a partir de uma versão inglesa pouco cuidada, que resulta numa leitura pouco agradável.

O ano da Granta Portugal
A revista britânica que já existe há anos em português, no Brasil, terá uma edição portuguesa pela Tinta da China, com direcção de Carlos Vaz Marques, que já é o editor da colecção de literatura de viagens daquela editora. O primeiro número da Granta Portugal sai em Maio, com um tema original – o que, aliás, acontecerá em todas as edições.

“A ideia de fazermos o primeiro número com o ‘EU’ marca o carácter irredutivelmente literário da revista, mesmo quando publicarmos uma reportagem. O ponto de vista de onde partimos para a Granta portuguesa é assumidamente subjectivo. Cada autor representar-se-á a si mesmo, o que já é imenso”, explica Carlos Vaz Marques.

Os textos estão a ser escritos e o portfolio fotográfico está a ser preparado. Na sua primeira edição, a revista terá oito autores portugueses vivos e um morto. “Não é ainda altura de revelar quem são porque o trabalho ainda está em curso. Quanto aos autores que fomos buscar à edição inglesa, ainda temos um grupo relativamente grande de possibilidades”, diz o director.

Vaz Marques, que gosta da frase que define a Granta como “uma conspiração de boa escrita”, assegura que poderemos esperar da Granta Portugal aquilo que afirmou internacionalmente a revista: bons textos inéditos. “A Granta tem tudo para resultar”, acredita. “Tem o entusiasmo com que os autores estão a acolher o convite que lhes tenho feito. Tem a garantia de poder publicar textos de alguns dos grandes escritores que escrevem para a Granta inglesa. Tem o extraordinário talento da equipa de produção da Tinta da China. E tem ainda a seu favor o facto de não haver neste momento nada de semelhante no panorama editorial português.”

Vai dar Brasil
Depois de ter sido o país convidado da Feira do Livro de Frankfurt em 1994, o Brasil vai estar pela segunda vez em destaque na feira alemã. De 9 a 16 de Outubro, uma comitiva de 70 escritores de diferentes géneros e regiões irá estar em Frankfurt a mostrar que o Brasil não é só o país do samba, da caipirinha e do futebol.

O slogan do país convidado de 2013 será Brazil in Every Word, o Brasil em todas as palavras, e o Ministério da Cultura brasileiro destinou dez milhões de dólares para a promoção da sua literatura na Alemanha, em Frankfurt e noutros festivais, como o de Leipzig.

Por cá, as editoras também estão atentas ao boom da literatura brasileira e apostam este ano em obras de qualidade. A 24 de Janeiro, sairá no Clube do Autor, o premiadíssimo Passageiro do Fim do Dia, de Rubens Figueiredo (Prémio Portugal Telecom de Literatura 2011 e melhor livro do ano pelo Prémio São Paulo de Literatura). O escritor brasileiro, que é também tradutor, virá a Portugal participar na 14.ª edição do Correntes d’Escritas – Encontro de Escritores de Expressão Ibérica, de 21 e 23 de Fevereiro na Póvoa de Varzim.

A Relógio d’Água continuará a publicar a obra do Prémio Camões 2012, o brasileiro Dalton Trevisan: Guerra Conjugal A Trombeta do Anjo Vingador em Fevereiro, reedição de Cemitério de Elefantes em Abril, O Rei da Terra depois.

Em Março, a Tinta da China publicará o romance do escritor brasileiro Michel Laub, Diário da Queda, finalista do Prémio Portugal Telecom de Literatura e do Prémio São Paulo de Literatura. A brasileira Elvira Vigna também será editada em Portugal pela primeira vez: Nada a Dizer sairá na Quetzal. Recebeu o Prémio de ficção da Academia Brasileira de Letras.

Os prémios de Hilary Mantel
O reinado de Henrique VIII mudou para sempre o rumo de Inglaterra e é fonte inesgotável de histórias que misturam magnificamente paixões arrebatadoras, violência, interesses políticos, económicos e religiosos e a mais perigosa insegurança. Em torno do poderoso monarca gravitavam personalidades que contribuíam decisivamente para o clima de intriga tenebrosa e de perigo permanente que se respirava na corte. De todos os grandes manipuladores, ninguém subiu tão alto nem desempenhou um papel tão maquiavélico como Thomas Cromwell, um herói das sombras, tratado com astuciosa minúcia por Hilary Mantel no seu anterior romance Wolf Hall, onde o acompanhámos até à época em que a sua influência tinha atingido o zénite. Em Bring up the Bodies, o romance premiado que a Civilização lançará em Abril (foi o Man Booker Prize de 2012 e recebeu o Costa Book Award na categoria de ficção), a autora retoma a história do homem que, depois de trabalhar incessantemente para satisfazer os desejos do seu rei (afastar Catarina de Aragão, casar com Ana Bolena, eliminar Thomas More), se encontra de novo em Wolf Hall, em 1536, para descansar. É então que surge Jane Seymour, que capta o interesse do rei. E os trabalhos de Cromwell recomeçam, enquanto se sela o seu próprio destino.

Anne Applebaum no Leste…
Em Outubro, A Cortina de Ferro, da premiada jornalista norte-americana Anne Applebaum, sairá na editora Civilização. Esta é a obra que se seguiu a Gulag – Uma História, que recebeu o Prémio Pulitzer de 2004 na categoria de não-ficção e foi publicado por esta editora no ano seguinte em Portugal. Em A Cortina de Ferro, finalista do National Book Award 2012, Applebaum dedica-se aos anos de 1944-56 e explica o período estalinista e pós-estalinista em países como a Polónia, a Alemanha de Leste e a Hungria. Na sua crítica, o The Guardian considerou que o seu trabalho fazia com muita mestria uma síntese das mais recentes investigações sobre este período histórico naqueles países (a jornalista teve acesso a arquivos disponibilizados recentemente) e das memórias de testemunhas ou sobreviventes da Segunda Guerra Mundial.

… e Zadie Smith no Noroeste

Em Novembro de 2008, Zadie Smith escreveu, na New York Review of Books, um texto intitulado Two Paths For The Novel [Dois Caminhos Para o Romance] a propósito de Netherland, de Joseph O’Neill, e Remainder, do admirável Tom MacCarthy. Não se tratava apenas de uma crítica aos romances mencionados, antes de uma reflexão sobre como nós, leitores que há muito perdemos a ingenuidade, lidamos com um narrador que nos oferece uma visão do mundo versus narradores menos fiáveis que reportam narrativas estilhaçadas. Essas preocupações parecem ter encontrado caminho para as múltiplas vozes de NW [NW é North-West, o Noroeste de Londres], um livro que resgata a tradição modernista do fluxo de consciência e que tem dividido opiniões (sai em Julho pela D. Quixote): há quem lhe gabe a destreza; e há quem diga, como se escreveu no Guardian, que não consegue ser um grande romance, apesar de albergar três ou quatro grandes romances em potência. Consensual parece ser a ideia de que Zadie Smith continua a experimentar, mesmo correndo o risco de assustar quem gostou de On Beauty.

Tolstói e Joyce em novas traduções
Uma nova tradução de um clássico é sempre várias coisas: a hipótese de lembrar a novos leitores, a quem o cânone ou pouco diz ou assusta, que um livro não morde; mas também de corrigir imprecisões de traduções anteriores ou de readequar o livro à linguagem da sua época – em última instância, uma nova tradução é também uma homenagem à evolução da língua e da própria sociedade. Na Relógio D’Água, a nova tradução de Guerra e Paz (Fevereiro) coube a António Pescada, que já antes se dedicara ao magistral Anna Karénina, fazendo aquelas páginas dançar como nunca em português. A importância de ter Tolstói bem traduzido pode ser atestada pelas palavras do próprio Pescada, quando há anos confessava não se ter apercebido da grandeza do mestre russo até ler Anna Karénina no original. (Quem já pegou numa má tradução de Tolstói sabe do que ele fala.) Pescada defende que numa tradução se deve sentir a língua original, pelo que esta será uma oportunidade para reavaliar os méritos da sua obra maior. O Ulisses de James Joyce (em Abril, na nova tradução de Vaz de Carvalho) é um caso ainda mais apelativo: publicado em 1922, é uma súmula do modernismo, o que significa que muitas das lutas da literatura actual – a fiabilidade do narrador, a noção do tempo, a acumulação de informação – nascem ali, ou estão pela primeira vez ali representadas em toda a sua extensão. Seria difícil imaginar Faulkner ou Italo Svevo sem Ulisses; e é difícil imaginar como traduzir aquele mastodonte lexical. Será, por certo, um acontecimento.

O regresso de Mafalda Ivo Cruz 

A editora Cavalo de Ferro vai lançar em 2013 uma colecção de autores portugueses dedicada à ficção literária de qualidade. Alguns dos nomes que irão publicar ainda são segredo, mas em Abril sairá o novo romance de Mafalda Ivo Cruz, Pequena Europa. É o regresso da autora de O Rapaz de Botticelli (Prémio PEN Club de Ficção 2002) e de Vermelho (Grande Prémio de Romance e Novela da APE 2003).

Desde há algum tempo que o editor Diogo Madre Deus queria alargar o âmbito da Cavalo de Ferro à ficção portuguesa. “Sobretudo, fruto da minha experiência de publicação de autores portugueses contemporâneos aqui em Itália”, explica por email. A colecção “não irá desvirtuar as linhas condutoras seguidas até aqui, nomeadamente, no privilegiar a qualidade literária dos textos. ‘Livros que concentrem e não que apenas distraiam’ é o nosso mote”. A nova colecção da Cavalo de Ferro não publicará muitos títulos por ano: quer esperar pelos títulos justos, dar atenção especial a nomes contemporâneos. “Mas não primeiras obras. Ou, pelo menos, ainda não.” A ideia é publicar novos livros de autores já conhecidos do público ou reeditar títulos que, por motivos de lógica comercial, não estão disponíveis nas livrarias.
 
 
 
 

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