Uma olhada pela janela de mercado – a adaptação

Agora que a janela de transferências de Janeiro está aberta, o mercado agita-se e a mudança de clube por parte de alguns jogadores acontece. Normalmente, uma contratação corresponde a uma necessidade... Seja porque urge o reforço de um plantel pouco homogéneo ou com carências e lesões, seja porque a Taça das Nações Africanas está à porta, ou ainda pelo facto de a tabela classificativa assim o “exigir”, os clubes, cada um à sua maneira e dimensão, recorrem ao mercado para contratar jogadores.

Já houve situações em que, qualitativamente, as contratações de Janeiro não corresponderam ao desejado pelos clubes e seus treinadores, mas noutros casos algumas equipas conseguiram reestruturar os seus planteis com eficácia. No entanto, cada caso é único e isso pode justificar per se o sucesso ou o insucesso de algumas contratações.

O processo de decisão de reforçar um plantel carece de critério e especial atenção, não só porque os recursos financeiros são escassos, mas especialmente porque a tolerância ao erro, mesmo sabendo que o risco e a incerteza andam de mão dada na indústria do futebol, deve ser reduzida ao mínimo.

Vamos aqui focar alguns aspetos que considero relevantes sobre a complexidade, que este processo de adaptação do jogador, a um novo clube e frequentemente a outra realidade competitiva, encerra. Uma coisa é certa: todas as pessoas e organizações, sejam elas quais forem, sentem desconforto com a mudança.

À partida, cabe ao treinador definir o perfil do jogador a contratar e será um erro fazê-lo apenas na sua dimensão técnica. Além disso, deve-se perspetivar a sua inclusão num contexto socio-económico-desportivo-cultural. O futebolista é antes de mais um ser social (com necessidades e objetivos) e a sua inclusão numa equipa deve ser vista não apenas e meramente pelo seu lado técnico e desportivo.

Claro que o perfil técnico, tático e de atleta deve merecer uma análise minuciosa, mas negligenciar as características (idade, contexto familiar, maturidade...) e capacidade do jogador em se adaptar, em aprender, apreender e superar obstáculos será um erro. Recorde-se o que disse Ferran Soriano, antigo dirigente do Barça, em A bola não entra por acaso sobre a saída de Riquelme do seu bairro de sempre em Buenos Aires, e a sua adaptação à cosmopolita cidade condal e ao Barcelona: “Juan Román Riquelme dava muitas pistas de qual podia ser o seu comportamento. Riquelme tinha nascido no bairro de San Jorge da Cidade de Don Torcuato, no oeste da Grande Buenos Aires... Em 1996, foi contratado pelo Boca Juniors. Naquele momento, Juan Román deixou o seu bairro de toda vida, a Villa San Jorge de Don Torcuato, e mudou-se 35 quilómetros, para o centro de Buenos Aires, para um bairro elegante perto do estádio e do campo de treinos. Sentia saudades do seu pequeno bairro, dos seus amigos, dos churrascos no quintal e do seu ambiente de toda a vida. Um dia, Juan Román não aguentou mais e mandou construir uma casa muito bonita no bairro privado El Viejo Vivero de Don Torcuato, a poucos metros de onde tinha nascido. Regressou ao seu ambiente de sempre porque não tinha conseguido adaptar-se a Buenos Aires.

Dito de outro modo, em 2002, o Barça contratou um rapaz que não tinha conseguido adaptar-se à mudança de bairro na Grande Buenos Aires e transferiu-o para Barcelona!... Riquelme não se tinha adaptado a uma mudança de 35 quilómetros e agora devia fazer uma de 10.000.”

Além disso, Riquelme “era uma pessoa pouco comunicativa, que não se conseguia relacionar com os companheiros.” Ao fim de uma época, saiu de Barcelona e foi contratado pelo Villarreal, onde também teve problemas antes de regressar a Buenos Aires.

A dimensão psicológica, capacidade de comunicar e de encarar a mudança serão fulcrais no que toca à adaptação a uma nova estrutura socio-afetiva, nova dialética individuo-coletiva e permitirá lograr um novo nível de interatividade e compromissos dentro de uma nova rede dinâmica de muitos agentes e elementos em interação. O futebolista terá de se adaptar a um novo contexto, meio, ambiente, país, cidade, língua, alimentação, equipa, colegas, treinadores, cultura de clube, etc.

Contrariamente ao caso do Riquelme (o mais talentoso futebolista argentino da era pós Maradona e antes de Messi), diferente tem sido a resposta à mudança do Jackson Martínez. Este trocou o campeonato mexicano pelo português, para vestir a camisola do FC Porto e de imediato começou a mostrar um rendimento elevado. Claro que a qualidade dos jogadores de excelência aumenta as probabilidades de se adaptarem com mais celeridade e sucesso, mas no que toca à adaptação muitos outros fatores devem ser equacionados e levados em conta.

O jogador é contratado para competir, mas compete em equipa. O futebol é um desporto coletivo, e o treinador terá de criar condições para que o jogador assimile um novo projeto coletivo de jogo, onde a cultura de clube não pode ser descurada. No treino, o treinador, através dos exercícios e tarefas propostas ao recém-chegado, promove a inclusão e a sua integração. Se na dimensão desportiva o treinador e restante plantel assumem o papel de inclusão técnico-tática, o clube deve organizar-se de forma profissional e dotar-se de uma estrutura funcional adequada a rececionar e acolher os “ativos”/“fatores de produção” (os futebolistas) adequadamente.

A contratação de um jogador deve seguir um processo complexo de análise e maturação e vai muito para além da decisão baseada em questões meramente técnicas. Pode demorar mais ou menos tempo, mas acima de tudo há de ter a noção de que todos os detalhes têm a sua importância e não deve ser feita com base em impulsos.

* Artigo publicado respeitando a norma ortográfica escolhida pelo autor
 

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