Balanço com memória

Farei deste um ano excelente e, se me permitem o conselho, façam o mesmo. No final, teremos um conjunto de governantes a dizerem que foram eles que conseguiram e até a ficar com uma boa parte do que criámos, mas não há problema.

Guardo do meu avô as melhores recordações e algumas lições importantes. No final do ano, na tradição de uma vida equilibrada, fazia um balanço da sua actividade, que resumia num pequeno papel, que depois guardava na carteira. Só depois saía para os festejos, com a minha avó e alguns amigos, com um espírito de esperança que o conduziria para um novo ano melhor preparado. As adversidades de uma conjuntura tão complexa como a que vivemos obrigam-nos a um exercício semelhante, passar em resumo o que se passou em 2012, perceber em que ponto estamos e programar um novo ano que nos traga mais alguma tranquilidade, qualidade de vida ou, muitas vezes mais importante, maior esperança.

Quanto ao ano passado, comecemos pelo outro lado do Atlântico. O que o Presidente Obama chamou “acordo” ao problema que se passou a denominar “precipício fiscal”, que impunha um aumento de impostos e uma redução da despesa pública para 2013, terá sido tudo menos um sucesso. Só mesmo um político de invulgar capacidade consegue, na mesma comunicação, e com ar satisfeito, transmitir que passa a funcionar um pré-acordo que não satisfaz ninguém mas que permitirá pensar nas medidas que possam neutralizar os efeitos negativos do mesmo. Dos números nem vale a pena falar, o deficit anual americano continua perto de 1,3 biliões de dólares, coisa que, pela sua grandeza, a maioria das pessoas se perde nas convenções e nos zeros. Os americanos chamam-lhe triliões, o melhor é mostrar o número: são $1.300.000.000.000. Como costumo dizer, já me chegava o dobro para viver descansado, mas, brincadeiras à parte, nenhum governante resolverá esta situação nunca, simplesmente porque seria politicamente um suicídio anunciar qualquer conjunto de medidas que invertesse esta situação. A questão é sempre a mesma: será sustentável? Aqui estou em desacordo com a maioria dos economistas. Por muitos anos, será, sim, sustentável. Enquanto a economia americana for a maior do mundo, será entendido como uma característica da sua economia; quando passar a ser a China, como entretanto este país é o que mais compra (não tem outro remédio) dívida americana, continuará a sê-lo. Isto não é falso optimismo: os Estados, como as empresas e como as pessoas, não deixam de ser sustentáveis porque estão falidos ou porque perdem dinheiro, só o deixam de ser quando perderem a capacidade de crédito.

Do lado da Europa, as coisas não são melhores nem piores, têm é um efeito diferente nas pessoas das zonas mais pobres ou mais endividadas. A grande diferença não tem a ver com a conjuntura económica, mas sim com uma política monetária bem distinta da americana e com um modelo que só passará a federalista quando os políticos de cada país se deixarem de um nacionalismo e de um patriotismo que cada vez fazem menos sentido económico. Aos políticos, continua a missão de vendedores de banha da cobra, divididos nos mesmos três grupos a que nos habituámos há uns anos: os que estão no poder, os que irão estar nas próximas eleições e os outros que nunca serão eleitos. Os primeiros continuarão a dizer que o pior já passou e que a crise se transformará em crescimento e prosperidade; os segundos a dizer que tudo está mal e a prometerem diferente quando forem eleitos, o que não farão; os últimos com ideias mais radicais, aparentemente até mais amigas dos mais desprotegidos, mas que esquecem a parte da credibilidade ao ponto de poucos os levarem a sério. Certo é que o desemprego na Europa já ronda os 12%, e tanto a Grécia como a nossa vizinha Espanha já reportaram que os seu bancos estão descapitalizados e com valorações que chegam a ser negativas. Somando tudo, temos então uma crise que dizem estar a acabar, mas com um desemprego que não pára de crescer numa economia com os bancos insolventes. Para 2013, é fácil de adivinhar, a crise bancária de 2008 vai parecer uma brincadeira de meninos, quando comparada com o que ainda vamos assistir, parte de algumas economias vai pura e simplesmente implodir e só gerarão valor os que se ajustarem em tempo útil a estas mudanças.

De Espanha, vêm os meus maiores receios para 2013. Lembro bem que, no primeiro semestre de 2012, o primeiro-ministro Mariano Rajoy, político forçosamente reconhecido, já que foi reeleito presidente do Partido Popular com 97,56% dos votos, negava que o seu país ou os bancos que nele operavam precisassem de alguma ajuda externa. Lembro, em particular, a forma como acusava os que diziam o contrário de não perceberem nada do que falavam. Claro que voltamos ao mesmo. Acredito, talvez ingenuamente, que esta gente é bem intencionada no que diz, sabe que não tem razão, sabe que mente, mas acredita, e em abono da verdade é bem assim, que, se transmitir confiança, alguém vai continuar a emprestar-lhe o que ela precisar. Claro que depois houve um banco que revelou algumas das práticas de cosmética de contas, assumindo que os lucros reportados, afinal, não eram a sério, e foi a gota de água. Lá foi o Rajoy pedir 100 mil milhões de euros para tapar a ponta do icebergue e voltou com um discurso bem diferente: que a economia espanhola estava com um problema grande e que as medidas de austeridade passavam a ser prementes. Contra mim falo, que, se votasse naquele país, o mais provável era ser um dos que o escolhiam, mas sejamos sérios: é este tipo de gente que salvará a Europa? Valha-nos... qualquer outra coisa!

“Mas prontos!”, balanço é isto mesmo, ver no que o passado nos transformou. Por pior que isso seja, há que saber lê-lo, atender no que nos beneficiou e no que nos prejudicou, e, o mais importante, tirar daí a melhor estratégia para o período seguinte. Considero e respeito muito os que defendem que a solução passa por reivindicar e arranjar forma de demitir o Governo. Poderão ter a razão toda, nem penso nisso. Na minha opinião, é melhor que esperem sentados. Outros viriam para nos governar, com a mesma garantia dos que lá estão hoje, de todos os outros que me lembro e ainda dos que ouvi falar. Cada vez estou mais convencido de que a solução não virá dos políticos e muito menos dos direitos que achamos estabelecidos por esses. É utópico acreditar que um dia mude. A solução virá sempre do que fazemos, as empresas e as instituições onde colaboramos, a família, os amigos, e algures um nicho ou um grande mercado serão os nossos principais parceiros e só daí teremos algum sucesso na nossa cruzada.

Para 2013, teremos uma conjuntura económica bem mais complexa, mas deixem-me abusar de mais umas evidências: a economia mundial vai crescer, muito provavelmente perto dos 3%, teremos os mesmos políticos ou outros parecidos a dizer que estamos a conseguir dar a volta, continuaremos a ouvir o Banco Central Europeu a dizer que compra a dívida pública que for necessário e a Reserva Federal Americana a dizer que emite moeda até o desemprego descer mais um bocadinho e ainda poderemos contar com as empresas, os gestores e os empresários, que vão continuar a gerar valor. Na minha opinião, acredito mesmo que tudo isto será bom, os juros da dívida pública continuarão a baixar, e mesmo os de prazo mais longo já estão abaixo dos 7%, que muitos consideravam a barreira do sustentável. Pelo lado das empresas, vejo excelentes exemplos. De entre as cotadas portuguesas, destaco nomeadamente a Galp e a Jerónimo Martins, com crescimentos expectáveis muito superiores ao que seria normal nos mercados naturais onde actuavam.

Em conclusão e resumo, sentimos um 2012 mau e sabemos que 2013 tem todas as razões para ser pior, dos governantes temos grandes certezas com o que contamos, identificámos o principal risco externo do nosso país vizinho, temos expectativas na descida nas taxas de juro e na valorização das empresas que melhor se adaptaram à conjuntura. Estamos então preparados para os festejos e para o novo ano. Se podemos apenas especular com o que temos, se temos que trabalhar mais um pouco, se investimos com mais ou menos risco, se temos que criar o nosso emprego, bom, isso dependerá de cada um de nós e do que acreditarmos que nos fará mais felizes. Outros continuarão nos lamentos, talvez pela mesma razão.

Em memória do meu avô, farei deste um ano excelente e, se me permitem o conselho, façam o mesmo. No final, teremos um conjunto de governantes a dizerem que foram eles que conseguiram e até a ficar com uma boa parte do que criámos, mas não há problema, os nossos netos hão-de saber e seguir o exemplo.
 

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