A leitura de Passos

No carro onde se deslocou, na sexta-feira, ao Museu Nacional Machado de Castro em Coimbra, o primeiro-ministro tinha um livro sobre Salazar.

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DIÁRIO AS BEIRAS/Luís Carregã

Num instantâneo captado pelo fotojornalista Luís Carregã, surge uma revelação: o primeiro-ministro anda às voltas com a História e preocupa-se em particular com os anos de afirmação e consolidação do Estado Novo.

Não se sabe se foi prenda do Pai Natal, uma recomendação dos assessores ou um impulso pessoal, certo é que o estudo dessa época em que se instituiu a “ditadura das Finanças” não casa particularmente bem com os tempos actuais. Ou casa? 

O livro A Diplomacia de Salazar, de Bernando Futscher Pereira, compreende o período entre 1932, quando Salazar assume a presidência do Conselho, e 1949, quando, contra muitas expectativas da oposição democrática, o regime consegue a legitimação internacional ao ser aceite na NATO. Nesse período que começa quando as ditaduras se impuseram sobre os escombros da crise financeira de 1929, Portugal teve de se confrontar com a Guerra Civil da Espanha e com a II Guerra Mundial. Em ambos os casos foi capaz de se manter longe dos conflitos, ou, ao menos, de não se tornar actor de primeiro ou segundo plano.

Que um primeiro-ministro goste de ler é boa notícia. Que se interesse em particular pela leitura de obras da História contemporânea de Portugal é ainda melhor notícia. Na análise das estratégias diplomáticas de Salazar nos terríveis anos de 1930 e 1940 talvez Passos Coelho aprenda alguma coisa com a hábil gestão dos assuntos externos que conseguiram manter Portugal numa situação de equilíbrio precário quando a Espanha e a Europa se exauriam em conflitos. Talvez aprenda que o remédio aplicado internamente, o da pobreza honrada (tenham orgulho da austeridade, disse Passos no Facebook), só poderá gerar uma sociedade abúlica e dependente como a que saiu do salazarismo.

Quanto aos brutais métodos repressivos dos primeiros anos do ditador, estejamos descansados: se outros méritos Passos não tiver, reconheça-se ao menos que é um político tolerante, um governante que sabe conviver com a crítica e as liberdades democráticas.

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