Ásia à deriva

O ano de 2012 começou com as reivindicações supurantes da soberania chinesa no Mar da China Meridional e no Mar da China Oriental, mas também com a esperança de que um código de conduta mediado pela Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) permitiria que fossem resolvidas pacificamente.

No entanto, o ano está a terminar com essa esperança desfeita e com a ASEAN mais dividida do que nunca. De facto, uma meia dúzia dos seus membros parece agora ansiosa em subordinar os seus interesses nacionais - e os interesses da ASEAN - aos da China.

A assertividade crescente da China em delimitar as suas reivindicações contribuiu para a vitória esmagadora dos liberais-democratas propensos à defesa nacional no Japão e para a eleição da conservadora Park Geun-hye, como sendo a primeira mulher a governar a Coreia do Sul. As crescentes tensões regionais também serviram de cenário para a viagem do presidente dos EUA, Barack Obama, ao sudeste asiático logo após a sua reeleição.

Obama deu a conhecer o “pivô” estratégico dos Estados Unidos para a região Ásia-Pacífico, em Janeiro de 2012, e um turbilhão de actividades - da Austrália à Indonésia e à Índia - que marcou a diplomacia de segurança norte-americana ao longo do ano. Também no Japão, as preocupações em relação à determinação da China tornaram-se tão intensas que o governo que mostrou uma hostilidade considerável pela aliança entre os EUA e o Japão, quando subiu ao poder há três anos, em Novembro, começou a anunciar aos quatro ventos os compromissos de defesa mútua quando confrontou a reivindicação da China pelas ilhas Senkaku (Diaoyu).

As preocupações de segurança que animaram esta diplomacia estão a forjar uma ampla coligação, aproximando não só as democracias da região, mas também de países como o Vietname, o qual está envolvido na sua própria disputa territorial com a China que se centra na exploração de petróleo marítimo. Mesmo a Índia, que tem sido cautelosa em aprofundar os seus laços de segurança com os EUA, já adoptou a ideia de defesa mútua regional - não só com a América, mas também com o Japão e com outros países da Ásia Oriental.

Esta nova ênfase na segurança regional não está limitada aos governos. O apoio popular para a criação de uma estrutura de segurança pan-asiática pode ser encontrado não apenas nos resultados das eleições no Japão e na Coreia do Sul, mas também nas multidões extasiadas que saudaram Obama na Birmânia, durante a sua recente viagem. O birmanês comum compreende perfeitamente que a transição democrática do seu país é o resultado directo do seu recuo às exigências excessivas da China sobre os seus recursos naturais.

Até agora, a reacção da China a toda esta nova actividade foi rechaçar e insistir em abordar as suas disputas territoriais com os membros militarmente inferiores da ASEAN, numa base bilateral. Em Novembro, a China frustrou os esforços dos membros da ASEAN para criar um fórum multilateral e um acordo de conduta para governar a actividade económica e de segurança no Mar da China Meridional. Ao fazê-lo, dividiu o grupo e pode muito bem ter contrariado a ambição da ASEAN para se transformar num bloco regional, como a União Europeia, no final de 2015.

A China atingiu o que pretendia ao conquistar o primeiro-ministro cambojano, Hun Sen, o anfitrião da Cimeira da ASEAN, em Novembro, que acabou com a discussão sobre o papel assertivo da China no Mar da China Meridional, ao alegar falsamente que os membros da ASEAN tinham chegado a um “consenso” contra a “internacionalização” do problema. (Ironicamente, em 1984, quando Hun Sen era ministro dos Negócios Estrangeiros, o Ministério publicou um livro intitulado The Chinese Rulers’ Crimes against Kampuchea, que documentou o apoio da China ao genocídio do regime do Khmer Vermelho).

Esse fracasso da ASEAN teve graves consequências. O ministro dos Negócios Estrangeiros das Filipinas, que também está envolvido actualmente num aceso conflito territorial com a China, recorreu ao Japão para rearmar-se, de modo a equilibrar-se com a China militarmente, não obstante o legado amargo de seu país da ocupação japonesa. A vitória esmagadora de Shinzo Abe, que fez campanha em cima de uma robusta plataforma de defesa, pode muito conduzir a um sério empurrão japonês para revigorar as capacidades militares do país.

Um recente anúncio do governo provincial em Hainan, China, que tem responsabilidade paracomos territórios do Mar da China Meridional, reclamados pela China, reforçou provavelmente esse impulso. De acordo com as autoridades de Hainan, a partir de 1 de Janeiro de 2013, a polícia da China estará autorizada a abordar e a deter os navios que sejam suspeitos de “actividades ilegais”, nas águas que a China reivindica serem as suas águas territoriais.

O que constitui as actividades “ilegais” aos olhos das autoridades de Hainan não foi explicado claramente, mas muitos temem que a ordem dará carta-branca à polícia marítima para interferir com a actividade comercial no Mar da China Meridional. Esta abordagem, de acordo com Stephanie Kleine-Ahlbrandt do Grupo Internacional de Crise, parece fazer “parte de uma estratégia global de Pequim, para defender mais energicamente as suas reivindicações de soberania”, através de “meios operacionais”.

Como resultado da atitude dura da China, Surin Pitsuwan, o secretário-geral cessante da ASEAN, disse que a Ásia está a entrar no seu período “mais polémico” dos últimos anos. Na verdade, ele adverte de que “o Mar da China Meridional pode evoluir para outra Palestina”, a menos que os países tentem afincadamente neutralizar e não inflamar as tensões.

Um motivo pelo qual se pode esperar que as coisas não ficarão fora do controlo é a profunda integração da China na economia mundial. Mas, na China, como os cientistas políticos norte-americanos, Andrew Nathan e Andrew Scobell, argumentaram recentemente na revista científica Foreign Affairs, existe uma tensão crescente entre as prioridades económicas internas e as crenças dos líderes chineses de que “a estabilidade política da China e a sua integridade territorial estão ameaçadas por forças e actores estrangeiros”.

Desconfio que os receios dos governantes da China não auguram nada de bom para se alcançar uma resolução pacífica das suas disputas territoriais no Mar da China Meridional e no Mar da China Oriental. Um país que é “instável nas suas bases, desanimado entre a classe média e com uma liderança descontrolada”, tal como um grupo de estudiosos chineses o disse recentemente, pode ver o aventureirismo no exterior como a melhor forma de manter a união interna.

Tradução: Deolinda Esteves

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