O melhor e o pior das PPP

Está muito na moda dizer-se mal das Parcerias Público-Privadas (PPP), pela falta de transparência, como exemplo de negócios ruinosos para o Estado e como um dos claros motivos para a crise. Discordo em quase tudo, acho que se trata de um modelo de negócio, de colaboração entre o sector público e privado, com imensas vantagens tanto para a criação de infra-estruturas como para a criação de muitas actividades económicas que o Estado deve promover e que tem todos os ingredientes para ser um bom exemplo de eficiência na utilização de dinheiros públicos.

 

 

Infelizmente pouco ou nada disto tem acontecido. São frequentes as partilhas de risco desajustadas em que o Estado, na prática, se compromete e garante uma taxa de juro sem risco aos investidores privados que entram como parceiros. Assistimos inclusive a muitos casos em que a rendibilidade real dos projectos, independentemente da forma de financiamento, é tão baixa ou até negativa que desaconselharia qualquer investimento. Por alguma razão, política evidentemente, a avidez do Estado em promover estas obras foi demasiada, o que permitiu que estes negócios se criassem com claras vantagens para os privados ou, em súmula, para os que tinham dinheiro ou crédito para os financiar.

Discordo também, em absoluto, quando se diz que as PPP são uma das principais origens para a crise. São, de facto, excelentes exemplos do estado da nação, mas de forma nenhuma muito representativas, basta olhar para os gastos do Estado, mesmo na diagonal, e é nítido que relevantes são as despesas de saúde, os salários e as pensões. Os encargos com as PPP pesam cerca de 0,8% no PIB de 2012 e crescerão até um máximo de 1,14% em 2015. Claro que é muito dinheiro, mas muito longe de ser a origem da crise.

O Memorando de Entendimento sobre as condicionalidades de política económica, assinado em Maio de 2011 entre o Governo e a troika, prevê que o reporte mensal orçamental em base de caixa, basicamente o que o Estado gasta e em quê, assim como os riscos orçamentais gerais e as responsabilidades contingentes, nomes pomposos para o passivo do Estado, venham a incluir o sector empresarial do Estado (SEE), todas as PPP, assim como as garantias prestadas aos bancos. É tão curioso que revelar este tipo de informação tão básica, o que aliás se exige a qualquer empresa, sem excepção, independentemente da dimensão, não seja prática do Estado.

Bem ou mal, e através das PPP, realizaram-se inúmeros investimentos em várias áreas, em especial na construção de estradas. Sabe-se hoje que uma grande parte nem deveria ter sido feito, mas isso é irrelevante, estão aí e por isso, no limite, o que é necessário é avaliar se alguma coisa deve ser feita para minimizar a perda de valor que já foi imposta. Claro que a solução não é tão simples como decidir pagar ou não, cada PPP tem associada uma contratualização complexa, suficiente nomeadamente para permitir aos privados o financiamento dos investimentos com as receitas dos próprios projectos. É aquilo que se chama Project Finance, em que, muito em resumo, se entregam as receitas futuras de um projecto de investimento como colateral para a obtenção do financiamento necessário. Pronto, o Estado é pessoa de bem e não pode simplesmente dizer aos privados “olha se era a sério”, mas pode, isso pode sempre, renegociar as condições de exploração e, em caso extremo, pode-se até substituir aos privados, compensando-os naturalmente de alguns lucros cessantes que deixam de existir.

Nada disto é simples de executar, as PPP são formalizadas de modo a satisfazerem as exigências de risco dos investidores, mas a solução financeira é fácil. Os investimentos que o Estado fez através deste modelo e que têm (deveriam) de ser renegociadas são, em resumo, financiamentos caros que foram contraídos. A solução óbvia é então substituir estes financiamentos por outros com taxa de juro inferior. Sendo então uma solução simples e tão evidente por que não se faz logo? Por três razões: (1) os privados não querem abdicar das mais-valias futuras; (2) os bancos não querem perder os financiamentos em curso com que estão confortáveis; e (3) uma solução deste tipo implicava um aumento da dívida pública.

Quanto aos privados, não podem perder tudo, naturalmente, mas receberiam o valor actual de mais-valias futuras calculadas no pressuposto de uma taxa de rendibilidade normal para cada projecto de investimento, independentemente das taxas implícitas que teriam expectativa de receber; no fundo, seriam indemnizados pelo incumprimento do contrato, mas teriam que abdicar de parte do valor que tinham criado. Se pensarmos que estamos a cortar aos ordenados e aos subsídios de quem é pago pelo Estado, não me choca esta solução.

Em relação aos bancos, a solução é ainda mais simples porque, no limite, a carteira de activos relacionados com cada PPP poderia ser substituída pela dívida pública que seria emitida para este efeito. Mais uma vez, também poderia existir uma redução na rendibilidade, mas acompanhada com uma redução do risco e com activos que, nas actuais condições, podem ser colaterizados junto do BCE para obter a liquidez que lhes permita outros proveitos através de outros financiamentos.

Quanto ao aumento da dívida, é um problema que nem se devia colocar pelo absurdo do argumento. Claro que o aumento da dívida é indesejável, mas, neste caso, trata-se apenas de um processo contabilístico, isto é, a dívida já existe, na forma de uma sequência de pagamentos que o Estado teria que fazer, o que se faria era simplesmente substituir uma dívida com uma taxa de juro implícita elevada por outra com um juro explícito razoável. Por certo não haveria troika mais pintada que não entendesse a bondade de uma decisão destas, mesmo que as regras contabilísticas do Estado obrigassem a relevar algum aumento de dívida.

Em resumo, as PPP são financiamentos que o Estado contraiu. Se descobrimos entretanto que a taxa de juro nestes financiamentos é alta de mais, então vamos trocar por uma mais baixa. Dá algum trabalho, belisca os interesses de alguns privados, é, na prática, um incumprimento do Estado, tem pouco peso na redução de custos. E? A redução dos ordenados também não é tudo isto e não está a ser feita ao abrigo do chamado interesse nacional? Haja vontade política, o resto, para mim, é bom senso.

Consultor em projectos de investimento e seguros de crédito

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