Divisão interna na Ordem dos Médicos sobre racionamento de medicamentos

Documento interno do conselho de ética contraria posição do bastonário da Ordem dos Médicos, que é contra o racionamento.

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O bastonário da Ordem dos Médicos não teve respostas do ministério Enric Vives-Rubio

Um parecer interno do Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médica da Ordem dos Médicos e que acabou por ser divulgado está a gerar polémica. O texto contraria a posição pública do bastonário José Manuel Silva, que se opôs firmemente a um documento que tinha sido feito pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e no qual se defende o racionamento de medicamentos e tratamentos.

O documento em questão foi divulgado na edição desta segunda-feira do Jornal de Notícias, que adianta que José Manuel Silva solicitou um parecer ao conselho de ética da Ordem dos Médicos há cerca de três meses sobre o relatório do CNECV divulgado no final de Setembro e enviado ao Ministério da Saúde. O resultado terá chegado há um mês mas, diz o mesmo jornal, não foi o esperado, já que elogia o texto sobre o racionamento de algumas intervenções na área da saúde e a limitação do acesso a tratamentos mais caros ou de eficácia duvidosa.

Porém, num comunicado enviado ao PÚBLICO, o bastonário defende que o documento do conselho de ética está “inacabado” e que a posição oficial da Ordem dos Médicos sobre o parecer do CNECV foi “estabelecida por unanimidade em reunião do Conselho Nacional Executivo, por todos os seus dez conselheiros”. “Foi prematuramente divulgado na comunicação social um curto e singelo documento interno, não homologado e não suficientemente discutido”, explica.

E acrescenta que “a posição oficial e formal da Ordem dos Médicos é, por conseguinte, de rejeição do parecer 64 do CNEVC”, dizendo que também houve uma “inequívoca reprovação” do documento “de forma alargada pela sociedade e pelos doentes”. A nota refere também que a Ordem manifestou a sua “concordância genérica com o teor do parecer emitido pela Associação Portuguesa de Bioética” sobre o mesmo tema “que não só reforça a posição que a Ordem dos Médicos tem sustentado sobre esta matéria, em defesa da dignidade da pessoa humana e no respeito pela irrepetível individualidade de cada doente, como condensa de forma objectiva e fundamentada o seu enquadramento ético e social”.

O bastonário adianta também que dirigiu algumas questões ao conselho de ética, no sentido de o organismo aprofundar e reflectir sobre alguns temas que não estão na versão provisória. “Estranhamente, o parecer do Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médica não reflecte sobre algumas questões éticas da máxima importância, pelo que foi solicitado ao Conselho que o fizesse e integrasse essas reflexões no documento em análise”, diz a nota, que deixa transparecer algum mal-estar interno.

Entre as questões enviadas, José Manuel Silva pede que o conselho de ética se pronuncie especificamente sobre o racionamento mediante a idade do doente. “Quem aceita a discriminação por idade também está disponível para aceitar outras formas de discriminação! Discriminar por idade representa um trágico retrocesso civilizacional de laivos nazistas”, diz. E lamenta que o conselho não tenha feito “qualquer alusão ao facto da decisão última sobre o racionamento, sem qualquer recurso, ser da exclusiva responsabilidade da administração”.

“É preciso recordar que aceitar o racionamento nas mãos do Estado implicaria aceitar não tratar doentes de acordo com o Estado da Arte Médica, o que constitui uma indisputável violação do Código Deontológico da Ordem dos Médicos”, insiste. E termina dizendo que “ao contrário da Associação Médica Mundial, o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médica não faz qualquer consideração sobre o dever ético de exigir recursos suficientes para tratar os doentes, nomeadamente num país que ainda não combateu muitas áreas de desperdício, de corrupção e de interesses pouco éticos. Será ético aceitar passivamente o orçamento da Saúde sem o questionar?”
 

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