E a avenida voltou a mexer-se

Nas noites de sexta e sábado, a festa aconteceu na zona da Avenida da Liberdade em Lisboa, com o festival Vodafone Mexefest e dezenas de concertos de onde se destacaram Django Django, Alt-J, Cody ChesnuTT ou Petite Noir.

A fórmula já não tem segredos e voltou a funcionar nas noites de sexta e sábado em Lisboa, com inúmeros concertos a decorrer em simultâneo em doze espaços da área da Avenida da Liberdade, num ambiente descontraído que levou milhares a circular por aquela zona. No cartaz musical, como em anos anteriores, os grupos consolidados são superados em número pelos ainda pouco conhecidos.

Mas também por isso o Mexefest é especial. É verdade que quem não está habituado ao modelo ainda protesta porque não conseguiu ver este ou aquele concerto por causa das filas e da lotação reduzida da maior parte dos espaços. Mas a beleza do acontecimento reside nisso, na possibilidade única de se ver, em primeira mão, na Casa do Alentejo, o ex-Girls Christopher Owens, a apresentar o novo álbum (a editar em Fevereiro), perante cerca de três dezenas de pessoas, enquanto no Tivoli milhares se atropelavam para ver os Alt-J.

De repente ali estamos nós, próximos de músicos que, daqui a meses, regressarão para se apresentarem para multidões. É isso que acontecerá com Owens, que apresentou canções mais intimistas que nos extintos Girls, sendo acompanhado por um excelente naipe de músicos e por duas cantoras de apoio que, para além das canções do álbum, tocaram também versões (Cat Stevens, Simon & Garfunkel, Dylan).

Vimos quase todo o concerto e não nos arrependemos. A outra face dessa opção, foi termos visto apenas um pouco dos Alt-J, que suscitaram as maiores atenções na noite de sexta. Do que vimos ficámos com a mesma ideia que tínhamos de um outro concerto dos ingleses: a passagem das canções do álbum para palco ainda carece de um golpe de asa diferenciador, mas é mais do que evidente que a desconstrução rock que operam é estimulante.

Ao nível dos espaços, uma das novidades foi a realização de concertos na Estação do Rossio, um palco que coloca o público com o Castelo de São Jorge no horizonte. Foi aí que actuou o americano Cody ChesnuTT, centrando a sua prestação no novo álbum Landing On A Hundred. E foi pena, porque The Headphone Masterpiece, o disco que lhe granjeou culto, é nitidamente superior.

Mas ChesnuTT sente-se um novo homem, mais espiritual, e as novas canções respiram essa aura de transcendência. No Rossio, com o seu inevitável capacete na cabeça, conseguiu criar um clima de celebração com soul, funk e blues e com inúmeras interpelações ao público que lhe respondeu sempre de forma generosa; mas percebeu-se que a vibração entre palco e plateia até podia ter ido mais longe.

Festa foi aquilo que a Discotexas Band, o colectivo português que reinterpreta em palco temas lançados pelos produtores da editora do mesmo nome, proporcionou a quem os viu na sala do Ateneu. O som não estava famoso, mas Moullinex e Xinobi, acompanhados por mais dois músicos e pela voz da irrequieta Da Chick, mostraram que as canções imaginadas para DJs e para a pista de dança podem ter uma segunda vida bem mais vibrante, recriadas por linhas de baixo pulsantes, bateria trepidante e teclados cósmicos, uma verdadeira orquestra ‘disco-funk’, que merece mais destaque do que tem tido até agora.

O mesmo se poderia dizer de outros portugueses, os Gala Drop, cada vez mais soltos e dinâmicos ao vivo. O Maxime, com muita gente a ficar à porta, agradeceu-lhes a dose de psicadelismo. Antes já tínhamos espreitado os ingleses 2 Bears, projecto paralelo de Joe Goddard dos Hot Chip, que se move pelas mesmas águas, pop electrónica dançante de digestão fácil, que deu para animar a sala do Ateneu.

Aliás, em ambas as noites, a sala ao lado do Coliseu esteve em destaque, apesar da pouca qualidade do som. Na noite de sábado foi ali que vimos um dos melhores concertos, por Petite Noir, sul-africano a viver em Inglaterra, que veio acompanhado por três músicos. Tem tudo para dar que falar. Por enquanto é um desconhecido – estariam duas dezenas de pessoas a assistir – mas a sua música, composto eufórico de rock e afro-beat, algures entre TV On The Radio e Vampire Weekend, vale a pena.

Juntar, na mesma noite, Petite Noir e Django Django é a combustão ideal, porque ambos os projectos vivem da dimensão física da sua música. Se na noite anterior haviam sido os Alt-J a provocar maior euforia, no sábado foram os Django Django, escoceses a viver em Londres, que colocaram o Tivoli aos saltos, com as canções do álbum de estreia.

Waveforms, Firewater ou Default foram recebidas como clássicos pop, uma reacção entusiasta que os quatro músicos vestidos de igual fizeram por merecer, com uma prestação que fez realçar a dimensão dançante e as harmonias vocais da maior parte das suas canções. Saem de Portugal com o carimbo de “regresso iminente” na testa.

Entusiasmo semelhante só se vislumbrou, a espaços, na actuação cheia de soul, reggae e folk, do inglês Michael Kiwanuka, caso de sucesso com o álbum Home Again, e dos dinamarqueses Efterklang, que já vimos por diversas vezes e nunca desiludem. No São Jorge recriaram uma música vagamente rock que não receia o risco, desenhando melodias complexas de forma inteligível.

Ali ao pé, no Maxime repleto, a noite foi da editora Enchufada (dos Buraka Som Sistema), ou seja, celebração dançante à séria com muito suor à mistura, com os venezuelanos Pocs & Pacheco e depois com os portugueses Branko e DJ Marfox. Um pouco mais acima, no Ritz, para fim de festa, esteve o americano Moodymann, em versão DJ, que deu uma aula de história da música negra, com passagens pelo house, funk e ‘disco’. Bem bom. 

Sugerir correcção
Comentar