Dinheiro impede acordo em conferência sobre alterações climáticas

Conferência da ONU sobre o clima deve ser prolongada até sábado, por falta de acordo. Ajuda aos países em desenvolvimento é o principal ponto de discórdia. Há muitas críticas ao país anfitrião, o Qatar.

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O presidente da conferência, Hamad Al-Attiyah, e a secretária executiva da Convenção da ONU sobre as Alterações Climáticas, Christiana Figueres KARIM JAAFAR/AFP

Lentas, insuportavelmente lentas e sem sentimento de urgência, as negociações sobre as alterações climáticas chegaram ao último dia em Doha, sem que se vislumbrem sinais de um acordo e com sérios indícios de que se vão prolongar até sábado. Acumulam-se acusações contra o Qatar, o país anfitrião, por não ter tido mão no encontro que reúne mais de 190 países sob égide da ONU para discutir como encontrar um sucessor para o Protocolo de Quioto, que limita as emissões de gases com efeito de estufa.

Muitos delegados, incluindo a União Europeia, criticam a falta de envolvimento do presidente da conferência, o vice-primeiro-ministro do Qatar, Abdallah al-Attiya. Face às críticas, o governante do país que tem o mais alto nível de emissões de dióxido de carbono (C02) per capita lançou, quando estava a ser criticado por causa das negociações que ameaçavam eternizar-se: “Eu não tenho pressa, estou em casa, moro a dez minutos de carro daqui. Ficaria encantado por ter-vos todos aqui por mais uns dias”. Foi chamado à ordem pela comissária europeia Connie Hedegaard , ela sim com pressa: “Não nos resta muito tempo. O senhor não tem muito tempo. Por favor, convoque uma reunião ministerial”.

O principal ponto de discórdia é o dinheiro. Em 2009, em Copenhaga, os países desenvolvidos prometeram dar 100 mil milhões de dólares aos países em desenvolvimento até 2020 para os ajudar a cortar as suas emissões de dióxido de carbono (C02), o principal gás com efeito de estufa, e também para se adaptarem aos efeitos das alterações climáticas, causadas pelo aquecimento global. Até agora, os países ricos já se terão comprometido em projectos no valor de 30 mil milhões de dólares. Mas não está nada estabelecido sobre o ritmo que os países mais ricos devem ter no cumprimento das promessas a partir daqui até 2020, ou como fazê-los sequer cumprir as suas promessas.

Por isso, alguns países em desenvolvimento, com a China à cabeça – que nestas negociações ainda é assim considerada – foram para Doha com a esperança de obter das nações mais ricas compromissos no valor de 60 mil milhões de dólares até 2015. Num contexto de retracção, quando não de recessão económica, nunca seria uma perspectiva muito realista – e, de facto, as negociações não progrediram. Foram anunciados alguns novos fundos, em especial da União Europeia (6,85 mil milhões de euros em 2013 e 2014).

O negociador norte-americano Jonathan Pershing sublinhou que o que ficou estabelecido em Copenhaga foi ultrapassado. “Foi um acordo voluntário dos países dadores para dar colectivamente um valor que se aproximasse dos 30 mil milhões dólares. A segunda parte era mobilizar 100 mil milhões de dólares até 2020 e estamos a trabalhar para isso. Não é importante se são anunciados aqui ou não novos compromissos”, sublinhou.

“Os países em desenvolvimento estão preocupados porque terem de trazer todos os anos este tema a discussão sem que haja uma visão de conjunto até 2020”, explicou Steve Herz, da organização não governamental norte-americana Sierra Club, citado pela AFP. “Estão a bloquear as negociações sobre finanças a longo prazo, não propõem objectivos a médio prazo.”

Num debate diplomático que é cada vez mais uma fronteira instável entre ricos e pobres do que uma discussão sobre a ciência das alterações climáticas, as questões de dinheiro, de saber quem paga o quê, são o que bloqueia a chegada a um acordo para limitar as emissões de CO2 para a atmosfera. “O principal obstáculo nas negociações climáticas da ONU é a tensão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, os países mais ricos falharam nos seus compromissos em três pontos: redução das suas emissões [de gases com efeito de estufa], transferência de tecnologia e, o mais importante, nos fundos”, disse Chuks Okereke, investigador da Faculdade de Ciências Humanas e Ambientais da Universidade de Reading, citado pelo jornal “The Guardian”.

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