“Espanha não pode correr o risco de perder a Catalunha”

Joan Subirats diz que depois das eleições de hoje haverá um novo mapa político catalão e o referendo sobre a independência vai tornar-se inevitável.

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Artur Mas, da CiU, favorito à vitória nas eleições de hoje LLUIS GENE/AFP

O partido no poder estava desgastado por dois anos de políticas de austeridade. A manifestação de 11 de Setembro, quando 1,5 milhões de catalães saíram à rua para pedir um estado próprio, foi uma oportunidade para a CiU mudar a agenda política e recentrar o debate no soberanismo.

 

Um caminho construído pela Associação Nacional Catalã, o grupo que organizou o protesto, lembra Joan Subirats, catedrático de Ciência Política e director do Instituto de Governo e Políticas Públicas da Universidade Autónoma de Barcelona.

O líder da Convergência e União (CiU) Artur Mas vai ganhar a aposta que fez ao decidir antecipar as eleições?

Não é claro se vai melhorar o seu resultado, mas seja como for vai ganhar dois anos. Em vez de ter metade de uma legislatura pela frente terá quatro anos. Isso permite-lhe esperar que a situação económica melhore. O que realmente lhe correu bem é que conseguiu mudar completamente a agenda política, impondo o tema do soberanismo e fazendo esquecer o dos cortes.

Mas a CiU acreditava que iria conseguir a maioria absoluta.

Sim e isso será muito difícil. Há sempre a possibilidade de existir uma parte de volto que escape às sondagens. Mas os eleitores não costumam esconder o voto no vencedor. O voto oculto, a existir, será mais no Partido Popular ou no PSC [Partido dos Socialistas da Catalunha].

Sem maioria, a CiU terá de procurar alianças. Com a Esquerda Republicana da Catalunha?

A Esquerda jogou claramente a carta da coligação na campanha. Claro que vai querer pressionar para que se realize o referendo sobre a independência e se avance no processo soberanista. Mas esta não vai ser uma relação fácil. Não podemos esquecer que a CiU é formada pela Convergência Democrática da Catalunha mas também pela União Democrática, um partido democrata-cristão que faz parte do Partido Popular Europeu e que está muito mais distante da Esquerda.

O que é que une o nacionalismo de direita e o nacionalismo de esquerda na Catalunha?

Há uma série de características comuns. O acordo sobre o sentido assimétrico da relação com Espanha, uma vontade de reconhecimento da diferença catalã, a questão linguística, a vontade de afirmar a Catalunha em termos internacionais, a defesa da capacidade da Catalunha para gerir os seus próprios recursos. Isto são questões que unem os eleitores da CiU, da Esquerda, da Solidariedade Catalã, da Iniciativa [ICV-EUiA, a Iniciativa Catalunha Verdes concorre coligada com a Esquerda Unida, que na Catalunha é a Esquerda Unida e Alternativa] e de uma boa parte dos socialistas. Estamos a falar de uns 70 a 80% da população. Outra coisa é saber em que tipo de projecto político é que isto desemboca, se numa independência, numa alternativa mais federalista à canadiana, num modelo mais parecido com o belga.

O eixo nacionalista neste momento sobrepõe-se ao eixo esquerda/ direita?

Sim. Claro que o eixo esquerda/ direita é conflituoso e estas forças nunca se porão de acordo sobre que tipo de políticas deve ter um futuro estado.

A Esquerda aposta tudo agora na soberania. Se falhar, quais poderão ser as consequências de uma aproximação à CiU?

A Esquerda já fez parte de governos com a CiU, esteve na oposição, integrou o governo do tripartido [a coligação do PSC, da Iniciativa e da Esquerda, que governou entre 2004 e 2010] e o balanço não foi positivo. Mas a Esquerda não arrisca assim tanto, representa a opção mais claramente soberanista e tem um peso histórico muito importante. Agora, uma futura aliança da CiU com a Esquerra vai mudar o mapa político catalão. Neste momento há muitos municípios onde a CiU está coligada com o PP, que seria o seu parceiro natural na aprovação de programas marcados por cortes sociais. Depois desta campanha, com os ataques entre a CiU e o PP, será difícil manter estes acordos.

Há algum elemento fundamental que explique o aumento do apoio ao independentismo?

Há uma mistura de elementos. A recusa espanhola em aceitar o reforço da personalidade da Catalunha, com a oposição do PP ao Estatuto catalão, em paralelo com a sensação de que Madrid nunca aceitará a diversidade espanhola e a necessidade de acomodar essa diversidade. A crise económica foi o último factor determinante, com os catalães a convencerem-se de que com um estado próprio ou, pelo menos, com a gestão dos impostos e da riqueza catalã, o impacto da crise seria menor.

A ideia de que “Espanha rouba” os catalães entrou no discurso comum. Isto não é mais emocional do que real?

É emocional e é real. Claro que faz sentido a Catalunha ser solidária com as regiões menos rica e não ver todo o dinheiro dos seus impostos ser transformado em investimento aqui. Mas não é possível que uma região que está em terceiro ou quarto lugar em produção de riqueza desça para nono ou décimo em termos de redistribuição dessa riqueza. O esforço redistributivo pode ser feito sem esta desproporção, como acontece nos lands alemães.

A dimensão da manifestação de 11 de Setembro explica-se mais com a crise ou com o trabalho da Associação Nacional Catalã?

Em grande parte é fruto do trabalho da Associação. A verdade é que Artur Mas se está a aproveitar de um processo construído por esta associação, que é completamente transversal em termos políticos e que fez um trabalho de base muito importante e continuado na defesa do independentismo. É uma espécie de Tea Party à catalã, não no sentido conservador mas porque avançou à custa de novas formas de fazer política, como a realização dos referendos simbólicos sobre a independência e com um trabalho local, muito próximo das pessoas.

As expectativas cresceram muito. Artur Mas vai estar à altura?

Veremos. Se tivesse maioria absoluta a pressão para a realização da consulta e o desencadear do processo soberanista seria maior. Sem isso pode sempre dizer que o processo se tornou mais difícil, que não saiu das urnas tão legitimado como pedira.

O que é que vai acontecer depois das eleições? Há alguma possibilidade de surgir uma solução a meio caminho, negociada com Madrid?

Bem, a realização de um referendo sobre a independência, por mais que Madrid se oponha, é inevitável. Há muito mais pessoas a favor da consulta do que a favor da independência e haverá três quartos do Parlamento que defendem que se realize o referendo.

Haverá um momento em que o Partido Popular e o Governo de Mariano Rajoy terão de negociar?

A atitude do Governo espanhol vai ter de mudar. Se não a batalha será terrível. A reforma constitucional é inevitável e eles vão ter de perceber isso e de aceitar que o que está a acontecer na Catalunha não terá recuo. A Catalunha é uma parte muito significativa de Espanha. Espanha não pode correr o risco de perder a Catalunha. Não somos o País Basco, que representa 6% do PIB e tem dois milhões de habitantes. Somos 7,5 milhões e 20% do PIB nacional.

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