O aquecimento global está a afectar a costa leste e os americanos nem dão por isso

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Táxis alagados em Hoboken, New Jersey Foto: Michael Bocchieri/AFP

As alterações climáticas estão por trás do furacão Sandy? Só um bocadinho ou muito? E os políticos, que em ano de eleições meteram o assunto na gaveta mais escura, de tal forma que Mitt Romney e Barack Obama nem sequer o abordaram no debate televisivo sobre política nacional, no início de Outubro, reconhecerão que o problema existe? De qualquer forma, muitos cientistas diziam que era uma questão de tempo: Nova Iorque e a costa de New Jersey são zonas vulneráveis que, mais tarde ou mais cedo, seriam atingidas.

"A temperatura das águas à superfície na costa do Atlântico tem estado três graus Celsius acima do normal, ao longo de 800 quilómetros, da Florida até ao Canadá", escreveu Kevin Trenberth, do Centro Nacional de Investigação Atmosférica, no blogue Think Progress, para tentar explicar a relação entre as alterações climáticas e a supertempestade Sandy.

"O aquecimento global contribui 0,6 graus para isto [a subida de temperatura da água]. Com cada grau extra, o conteúdo de água da atmosfera aumenta 7%, e a humidade é como combustível para a tempestade tropical, aumenta-lhe a intensidade. A quantidade de chuva é o dobro do que seria em condições normais", escreveu Trenberth. Nos cálculos deste cientista, o aquecimento global terá contribuído "5% a 10%" para criar esta supertempestade.

É difícil negar a contribuição do aquecimento global para a formação de um grande furacão como o Sandy na costa leste dos Estados Unidos: a temperatura das águas nesta costa, do Maine até à Carolina do Norte, atingiu valores recordes durante os primeiros seis meses de 2012, e a subida das águas na costa atlântica está a acontecer três a quatro vezes mais rapidamente do que a nível global, de acordo com um estudo dos serviços geológicos norte-americanos publicado em Junho na revista Nature Climate Change.

Mas o acaso, aquilo a que os cientistas chamam a "variabilidade natural", continua a ser fundamental. A tempestade "Frankenstein" Sandy formou-se porque ao furacão se juntaram uma frente fria vinda de Oeste, que ajudou a trazê-lo para terra, e uma corrente gelada proveniente do Árctico. Tudo isto aconteceu numa altura de lua cheia, que provoca maré alta - potenciada por ventos ciclónicos que produziram ondas de quatro metros.

Mas outros cientistas avançam a hipótese de a perda recorde de gelo no Árctico este ano ter ajudado a forçar o percurso da tempestade para terra. É o caso de Jennifer Francis, da Universidade de Rutgers. "É impossível dizer como seria se houvesse tanto gelo como na década de 1980, mas a situação actual é consistente com o que seria mais frequente em resultado do aquecimento e, em especial, do aquecimento do Árctico", disse Francis, citada no blogue Dot Earth de Andrew Revkin, no New York Times.

Lições para políticos

Se os cientistas partiram imediatamente para o Twitter a defender os seus pontos de vista, os políticos estão a reagir com mais lentidão. O Presidente Barack Obama foi rápido na acção, e suspendeu a campanha, sem dizer nada sobre clima. Bill Clinton, no entanto, saiu ao ataque contra Mitt Romney: "Ridicularizou o Presidente por causa dos seus esforços para lutar contra o aquecimento global de formas economicamente vantajosas", acusou.


Já o governador de Nova Iorque, o democrata Andrew Cuomo, a braços com uma situação de emergência no seu estado, estava mais inclinado para o realismo: "Parte do que temos a aprender com esta situação é reconhecer que as alterações climáticas são uma realidade", afirmou.

Sobretudo, escreve Amy Davidson, editora da revista New Yorker, "recusar-se a ter uma discussão política agora sobre as alterações climáticas é como insistir que não é apropriado falar sobre leis de controlo de armas na América após um tiroteio no meio de uma multidão".

Algo que o caso de Nova Iorque e New Jersey demonstrou já é que a subida do nível do mar e a da temperatura das águas potenciará a erosão costeira e a necessidade de defesa do litoral. Se em 2080 o nível do mar tiver subido 1,2 metros, 34% das ruas de Nova Iorque estarão na zona de risco de inundação, quando agora isso acontece apenas com 11%, dizia um estudo encomendado pelo estado de Nova Iorque em 2011.

Agora, fala-se em Nova Iorque de construir protecções contra inundações ao longo da sua costa de mais de 800 quilómetros, delineada por estradas cheias de tráfico e infra-estruturas frágeis, relata o New York Times. "A cidade foi construída só uns metros acima da linha de água. É algo em que temos de começar a pensar", disse o governador de Nova Iorque.

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