Kuta, onde o ‘luto’ é mais sentido pelas ruas do que pelas pessoas

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Kuta Beach, perto do local onde a tragédia aconteceu, voltou a encher-se de turistas Foto: Bay Ismoyo/AFP

A Rua Legian, a principal da cidade de Kuta, em Bali, onde há dez anos ocorreram os atentados mais mortíferos da história da Indonésia, demorou a recuperar do ataque muito para além daquilo que os próprios balineses desejavam.

Quem passa junto ao memorial dos atentados de12 de Outubro de 2002 em Bali, no meio da Rua Legian, encontra confusão e filas de trânsito, seja a que hora do dia for.

A estrada é estreita, como a maioria das vias de uma cidade que não nasceu para acolher tanta gente. É comum ver motociclistas a preferirem os passeios.

Em frente às lojas e restaurantes, há imensos ojek (táxis-motos) estacionados e negócios móveis que dificultam até a passagem dos turistas, que hoje são a maioria dos transeuntes. Mas, nem sempre foi assim. Após os atentados de 2002, os turistas deixaram de vir a Bali com medo do terrorismo.

Anselmus Harut “tinha acabado de passar” naquela rua quando se registaram os atentados na noite de 12 de Outubro de 2002, por isso diz que teve “muita sorte”. O azar veio depois, em forma de desemprego. Ele, tal como muitos amigos, deixaram de poder trabalhar, porque “o povo balinês depende do turismo”.

Anselmus está triste porque perdeu um amigo nos atentados, mas o seu discurso vai sempre parar à importância do turismo. Se os turistas ainda “têm algum medo” de novos ataques, com receio de perder as vidas, os balineses estão mais preocupados na medida em que um novo ataque significaria uma nova crise.

A partir de Outubro de 2002 e até 2005 sensivelmente, aquela rua, onde antes havia a confusão a que hoje se assiste novamente, tornou-se “um pouco silenciosa”, conta o jovem de 30 anos, que, tal como muitos balineses, está confiante no trabalho das autoridades contra o terrorismo.

Sítio dos atentados é agora local de culto e superstições

A afluência de turistas na Rua Legian é maior sobretudo junto ao memorial das vítimas dos atentados, que foi edificado em 2004, onde no passado existia o Puddy’s Pub, local onde explodiu a primeira das duas bombas.


Aguno Wirawan, proprietário do Sanjaya Hotel & Spa, um espaço existente desde 1972 no início de uma pequena rua que começa ao lado do memorial, diz que “todos os turistas gostam de ver o memorial, porque sabem que muitas pessoas morreram ali”. Para ele, o memorial serve para “memorizar” o que aconteceu e colocar fé na ideia de que “os terroristas não venham de novo”.

Do lado direito do memorial, há uma representação da cultura local hinduísta onde todos os dias são oferecidas rezas e flores.

Alessio Roversi, gerente do Maccaroni, um restaurante italiano construído em 1996, que fica a algumas dezenas de metros do memorial na Rua Legian, explica que no local do antigo Sari Club – em frente do qual se registou a maior explosão em 2002 – há agora uma zona de parqueamento, porque os balineses “acreditam que quando algo muito mau acontece, pelo menos durante 10 a 15 anos nenhum negócio pode ser feito na área”.

Reconstrução e desânimo após 2002

Hoje, em torno do memorial, há um banco, duas grandes lojas de marcas de surf conhecidas e inúmeros e variados negócios ligados ao turismo.


Alessio Roversi destaca que o Maccaroni, que colapsou com os atentados, embora sem provocar feridos por já se encontrar encerrado, foi “o primeiro sítio a começar a ser reconstruído”.

Já o Sanjaya Hotel & Spa, depois de ter sido remodelado em 2000, sofreu alguns danos, mas as alterações só puderam ser feitas mais tarde, isto porque não havia clientes que suportassem as despesas, conta Aguno Wirawan.

Nos dois locais, a recuperação económica foi difícil, sobretudo porque as receitas turísticas só começaram a crescer em 2005, ano em que houve novos atentados na ilha, embora de menor dimensão. Aguno Wirawan recorda que, por causa dessa crise, passou um tempo em que as refeições se limitavam a arroz, por vezes com legumes.

Os atentados de 2005, que fizeram 20 mortos, não afectaram tanto o turismo. Hoje, destaca o gerente do Maccaroni, regista-se até uma “grande mudança” relativamente a 2002 na rua mais “famosa” de Kuta, com mais negócios e um “trânsito louco”.

Numa década, o número de turistas em Bali duplicou, sendo que agora anualmente visitam a ilha mais de dois milhões e meio de pessoas.

Contudo, há marcas que permanecem. Por exemplo, segundo Alessio Roversi, depois dos atentados de 2002, as discotecas passaram a fechar mais cedo, por volta das 3h.

“Bali está mais seguro do que em 2002”

I Gusti Ngurah Tresna, conhecido como Agung ou Mr. Tourtle, é um dos homens mais famosos da Kuta Beach, uma das praias mais conhecidas da zona e que fica muito perto da longa Rua Legian.


Agung é o responsável pela segurança da praia, mas em vez de um uniforme veste um fato de treino e coloca os óculos de sol por cima do boné. Faz parte de um grupo que nasceu da comunidade em 1990 e que trata de garantir a segurança na zona para agradar aos turistas, sobrevivendo com as receitas dos vendedores junto à praia.

“Depois da tragédia, a polícia, o governo e as pessoas locais passaram a dar mais atenção à segurança em Bali, porque sabem que vivem do turismo. Por isso, agora Bali é mais seguro do que há dez anos”, diz a tradutora após ouvir Agung.

O responsável entende que não se pode dizer que os ocidentais já não estão na mira dos terroristas, porque eles “atacam qualquer um”.

Segundo Agung, as bombas de 2002, as primeiras na ilha, tornaram os balineses “mais introspectivos sobre a vida”, sobre a segurança da comunidade e sobre a forma de manter o local mais seguro.

Nos dias que correm, Agung considera que a maior criminalidade está na mentira, com algumas pessoas a enganar os turistas para obter dinheiro.

A sensação de uma maior segurança não está apenas na mente dos balineses. Hoje em dia, não só em Bali, mas também noutros pontos da Indonésia, as pessoas e as viaturas são revistadas à entrada de grandes espaços, como centros comerciais e hotéis, um sistema que, ainda assim, apresenta algumas falhas.

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