Opinião: Benfica fez muito melhor negócio do que o FC Porto, mas Jesus vai ter mais dores de cabeça do que Vítor Pereira

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A saída de Witsel do Benfica traz problemas para a forma de jogar do Benfica Foto: Francisco Leong/AFP

O Benfica fez claramente melhor negócio financeiro do que o FC Porto, mas Jorge Jesus vai ter mais dores de cabeça para resolver a equação táctica resultante da saída de Witsel do que, em comparação, terá Vítor Pereira para encontrar alternativa a Hulk. Este faz parte daquela pequena minoria de superdotados capaz de ganhar sozinho um jogo, mas o belga era o farol de uma equipa que, dias antes, já tinha perdido a sua trave mestra (Javi García).

Uma coisa é certa: Witsel foi vendido acima do seu actual valor de mercado (é um belíssimo jogador, mas Modric é talvez o melhor médio da actualidade e foi comprado pelo Real Madrid por apenas 35 milhões), exactamente o contrário do que aconteceu com Hulk. Sim, porque depois de toda a contra-informação montada à volta do dinheiro pago pelo Zenit, é hoje claro que o clube russo despendeu exactamente os mesmo 40 milhões de euros em cada uma das duas operações. Ora, Hulk é um craque com muito golo nas botas, uma espécie rara que pode valer 60 milhões de euros.

Essa mesma fasquia foi, de resto, estabelecida por Pinto da Costa, quando veio a público dizer que tinha recusado os 50 milhões oferecidos inicialmente pelo Zenit. Na altura, até satirizou sobre a capacidade da empresa de gás que patrocina os russos, garantindo que Hulk nunca sairia por aquele valor. O que mudou, entretanto, para que o Zenit acabasse por contratá-lo por um valor mais baixo? Quase de certeza o falhanço da venda de João Moutinho ao Tottenham. Essa circunstância deve ter deixado Angelino Ferreira, administrador responsável pela pasta das finanças, com insónias. E a necessidade imperiosa de garantir um encaixe razoável que atenue o desequilíbrio nas contas portistas deixou o Zenit numa posição negocial privilegiada, face à iminência do fecho de um dos raros mercados ainda abertos. Só isso pode explicar que o FC Porto tenha aceitado receber em três pagamentos diferidos no tempo. O Benfica receberá tudo de uma vez e até pode encaixar mais seis milhões em função dos resultados do Zenit e da produção de Witsel.

E continua por perceber como é que os investidores que detinham os restantes 15% do passe de Hulk vão agora ser recompensados, uma vez que Alexander Dyukov, presidente do Zenit, deixou claro que o seu clube só pagou 40 milhões pela totalidade do passe. O FC Porto defendeu-se, comunicando ao mercado que irá receber 40 milhões pelos 85% que detinha do passe. O que é verdade. O problema é que não houve nem mais um tostão envolvido no negócio. Face às declarações contraditórias, designadamente do empresário Theodoro Fonseca (que referiu um "bolo" de 60 milhões e uma distribuição das "fatias" em que nem o cálculo de uma das percentagens batia certo), impõe-se que a CMVM averigue e informe o mercado. E estranha-se que já não haja notícias disso.

Mas se o Benfica ficou a ganhar do ponto de vista negocial, perdeu no âmbito desportivo. A definição do seu plantel já era um enigma. Não se percebia como cabiam oito médios ala onde não existiam defesas esquerdos credíveis (Jesus vai certamente transformar Melgarejo numa boa solução, mas o que ficará comprometido até isso acontecer?) nem substitutos fiáveis para Máxi Pereira e Luisão/Garay. E a situação tornou-se aguda com as saídas de dois jogadores que davam algum equilíbrio a uma equipa sempre de tracção à frente.

O FC Porto fica muito mais fraco sem Hulk. Perde em todos os aspectos, até em contundência e poder de fogo. Mas a saída do brasileiro pode apressar o crescimento de James Rodríguez e Atsu, uma nova chance para Varela e uma janela de oportunidade para Kelvin e Iturbe. São soluções em número suficiente e variadas, mesmo que impliquem pequenas cambiantes estratégicas - mas nunca o desinvestimento no sistema de jogo. James deverá passar para a direita e, com isso, o jogo será menos físico e mais cerebral. O colombiano procura terrenos interiores, mas isso até deverá coser bem com as subidas de Danilo. Bem pior teria sido perder Moutinho. Pela sua qualidade intrínseca e pela falta de alternativas (só existem cinco médios, sem contar com Danilo).

No Benfica, salta à vista que a única solução para a posição seis é Matic, que até tem uma gama de recursos superior a Javi. Mas não se lhe compara no jogo aéreo e na agressividade, determinante numa equipa muito dócil. O sérvio é menos posicional e terá de melhorar os movimentos que, aqui e ali, o transformam num terceiro central, por forma a facilitar a subida dos laterais. Provavelmente, o Benfica terá de alterar a forma de defender, passando a contar com maior apoio dos alas e do número dez (ou segundo avançado). Aimar é a melhor solução para o lugar de Witsel (Carlos Martins agudiza o futebol já, por si, demasiado vertiginoso). Nesse sentido, é admissível pensar que Jesus possa utilizar menos o duplo pivot e mais uma solução próxima do losango que tão bons resultados lhe deu no primeiro ano na Luz. A dúvida é se Aimar terá o suporte físico suficiente num plantel onde só existem três verdadeiros médios. bprata@publico.pt

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