Cientistas afirmam que Alzheimer se deve a proteína "infecciosa"

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Prusiner venceu em 1997 o Nobel pela descoberta dos priões Foto: Luc Novovitch/Reuters

Tal como a doença das vacas loucas, também esta terrível demência senil, que afecta milhões de pessoas no mundo, será devida a uma proteína "infecciosa"

"Os nossos resultados fornecem provas irrefutáveis de que os agregados de [proteína] beta-amilóide são priões e que a formação de priões de beta-amilóide não requer qualquer outra proteína ou factor adicional." A afirmação, assinada por Stanley Prusiner, da Universidade da Califórnia, e colegas - que surge num artigo publicado na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences - implica nada mais nem nada menos do que o seguinte: que, tal como a doença das vacas loucas, a doença de Alzheimer é causada por uma proteína "infecciosa" ou prião.

Os priões são proteínas que possuem uma configuraçãoanormal e que, ao penetrarem no cérebro de animais ou de seres humanos, são capazes de "criar adeptos", por assim dizer, fazendo com que as suas homólogas normais, habitualmente presentes no cérebro, se tornem também elas anormais, com consequências devastadoras para o tecido cerebral.

Prusiner foi o primeiro a teorizar a existência dos priões e, a seguir, mostrou que os priões derivados de uma proteína normalmente presente no cérebro, chamada PrP, eram os agentes causadores de encefalopatias espongiformes como a doença das vacas loucas ou a doença de Creutzfeldt-Jakob. A ideia - que quando foi postulada era totalmente iconoclasta - de que uma versão "torta" de uma proteína pudesse ser "infecciosa" (e de que a infecciosidade não era assim um atributo reservado às bactérias e aos vírus) começou por suscitar grande controvérsia e cepticismo na comunidade científica, mas acabou por valer a Prusiner o Prémio Nobel da Medicina em 1997.

A doença de Alzheimer, quanto a ela, caracteriza-se em particular pela formação de placas no cérebro, cujo principal ingrediente é a já referida proteína beta-amilóide, que forma agregados tóxicos à volta dos neurónios. Embora existam famílias onde a doença de Alzheimer é hereditária, 90% dos casos não têm causa identificada.

O que Prusiner e colegas quiseram agora saber foi se os agregados de beta-amilóide poderiam ser, na realidade, priões, agindo como partículas infecciosas e propagando-se progressivamente no cérebro para dar origem à doença de Alzheimer. A validação experimental desta ideia tinha-se até aqui revelado difícil.

Para isso, estes cientistas desenvolveram uma técnica que permite visualizar, graças a um composto fluorescente, os níveis de agregados de beta-amilóide presentes no cérebro de ratinhos. E a seguir, fizeram várias experiências. Primeiro, injectaram directamente no cérebro de ratinhos geneticamente predispostos à doença de Alzheimer extractos do cérebro de outros ratinhos que continham agregados de proteína beta-amilóide. Depois, fizeram o mesmo com extractos cerebrais purificados, que quase só continham agregados de beta-amilóide, de forma a excluir os eventuais efeitos de outras substâncias presentes nos extractos. Por último, e para ter a certeza de estarem a injectar apenas agregados de beta-amilóide, tornaram a repetir o teste com agregados de beta-amilóide sintetizados no laboratório e portanto absolutamente puros. Em todos estes casos, puderam constatar, passados uns meses, um aumento da quantidade de agregados no cérebro dos animais inoculados, bem como a sua propagação para todo o cérebro.

Os cientistas especulam, com base nestes resultados, que "a formação e propagação de priões beta-amilóides representam um dos acontecimentos mais precoces no desenvolvimento da doença de Alzheimer". A confirmar-se, isto poderá permitir resolver um velho debate: o de saber se os depósitos amilóides são a causa ou apenas uma consequência da doença.

Para os investigadores, uma tal mudança de paradigma em relação à doença de Alzheimer poderá permitir, quando forem desvendados os mecanismos que governam a formação e a autopropagação dos priões de beta-amilóide no cérebro, perceber melhor a doença e "facilitar a identificação de alvos terapêuticos de forma a desenvolver intervenções eficazes".

Os cientistas levantam no fim a questão de saber se a doença de Alzheimer será ou não contagiosa. Por enquanto, não há resposta: "Actualmente", escrevem, "não existem indícios de que a doença de Alzheimer seja infecciosa no sentido de ser transmissível entre seres humanos". Mesmo assim, terminam com uma nota inquietante: o facto de a injecção de agregados beta-amilóides desencadear a formação de depósitos beta-amilóides no ratinho fá-los recear pelas centenas de doentes com Alzheimer ligeiro a moderado que, há dez anos, no âmbito de um ensaio clínico, nos EUA, de imunização contra a formação destes depósitos, receberam injecções de proteína beta-amilóide sintética. Terá o tratamento acelerado a progressão fatal da sua doença em vez de a travar?

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