E a meio da tarde, Anne Teresa de Keersmaeker dançou e falou de dança

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Anne Teresa de Keersmaeker dançou algumas variações da peça Fase, aqui numa fotografia de arquivo Foto: Herman Sorgeloos

Primeiro veio a música, como quase sempre. Steve Reich, como tantas vezes. Depois ela apareceu com um vestido pérola, o cabelo apanhado, e começou a dançar. A dançar e a falar. “Nesta variação tentei encaixar um salto”, explicou Anne Teresa de Keersmaeker, no palco do Jardim de Inverno do Teatro São Luiz enquanto mostrava movimento atrás de movimento.

“Aqui quis fazer uma rotação da perna, seguida pelo braço”, continuou a coreógrafa belga como se legendasse cada sequência à medida que ia falando do processo de composição de Fase, uma das suas primeiras criações, apresentada em Fevereiro no Centro Cultural de Belém. “Em que nos faz pensar este movimento? Para que serve?”

Bailarina e coreógrafa, fundadora da companhia Rosas e este ano artista convidada da cidade de Lisboa, Keersmaeker passou boa parte da tarde desta quinta-feira a falar sobre criação coreográfica a propósito do lançamento do livro A choreographer’s score — Fase, Rosas danst Rosas, Elena’s aria, Bartók, que assina com Bojana Cvejic. A obra que foi apresentada no âmbito do Festival Alkantara, inclui quatro DVD, tantos quantas as peças nela analisadas, e é uma viagem pela memória que a bailarina e coreógrafa tem destes quatro marcos da sua carreira, criados entre 1982 e 1986. Mas é muito mais do que isso.

Com base numa série de entrevistas e de material de arquivo, de cartas de Keersmaeker aos desenhos que usa para mostrar determinada maneira de ocupar o espaço, o livro, diz Cvejic, pretende ser uma “ferramenta de composição” e, ao mesmo tempo, uma “maneira de entrar onde geralmente não entramos”, na cabeça do criador. “Eu tenho por regra uma memória muito vaga”, admitiu a bailarina e coreógrafa. “Quando digo que tudo me parece muito simples é porque componho o movimento célula a célula. E cada uma delas é muito elementar.” É o que Keersmaeker e os seus bailarinos fazem depois com a sobreposição destas camadas que torna a sua dança tão complicada, disse Cvejic. E tão sedutora e inquietante, diríamos nós.

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