Father Creeper

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"Father Creeper" é um disco tenso, de ar pesado, quase claustrofóbico, em que só à voz de Spoek Mathambo é permitido rasgar a película que mantém tudo neste sítio de relativo desconforto. Em concerto, estas canções parecem fadadas para se extinguir numa explosão impiedosa. Em disco, mais eficazmente ainda, não vão além da promessa.

Jogam num campo de provocação constante, saltitam sempre junto à rebentação, ameaçam ceder a uma torrente de som infernal e desabar sobre nós, mas nunca o fazem de facto. Temos os sentidos sitiados, mas o ataque final nunca chega, fica sempre para o tema seguinte até já não haver tema seguinte. Mathambo faz uma gestão primorosa no fio da navalha e nunca perde o equilíbrio: nem cai para o terrorismo sonoro, nem suaviza a ponto de podermos respirar fundo e recuperar o fôlego. A pertinácia deste caminho é, a uma só vez, causa e consequência: o músico sul-africano foi engordando uma música que cada vez mais só existe por ser o ponto de confluência de sonoridades que habitualmente se ignoram e que, por via do seu próprio périplo artístico e geográfico, se encontram debaixo da sua pele. São-nos arremessados os sintetizadores saturados do kwaito, ritmos tão depressa tribais como pensados para discotecas subterrâneas londrinas em luta contra a desidratação ou pedidos de empréstimo ao afrobeat, guitarras que, em vidas anteriores, tanto podem ter pertencido aos Prodigy quanto aos Vampire Weekend ou à Orchestra Baobab. "Father Creeper" vive nesse território não cartografado, por vezes futurista, em clara expansão. Soa a prenúncio de obra-prima. Spoek Mathambo tem tempo. Nós esperamos.

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