Sweet Heart, Sweet Light

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Faça o que fizer, Jason Pierce será sempre confrontado com o seu disco de 1993, "Ladies and Gentleman, We're Floating In Space" - e a comparação nunca será favorável porque "Ladies and Gentleman..." inaugurou uma linguagem, ou levou-a ao extremo: o ponto em que o rock repetitivo se encontra com o gospel e ascende envolto em elipses sinfónicas.

Não ajuda que o mais recente opus de Pierce tenha sido escrito enquanto este andava em digressão a tocar "Ladies and Gentleman...": cada uma das canções de "Sweet Heart, Sweet Light" parece uma declinação menos grandiosa desse épico. Acontece, contudo, que Pierce é capaz de belíssimas declinações. Tome-se "Hey, Jane" por exemplo: abre com guitarra eléctrica em strumming clássico, o Hammond a encher e o baixo a correr atrás - não está muito longe de "Come Together", do disco já por demais citado. Acontece que é uma tremenda canção: assente num riff ascendente simples dobrado por um coro feminino, chega ao arrepio com uma facilidade impressionante, antes de se atirar ao formato jam controlada que Pierce domina como poucos. "Little girl", a canção seguinte, aguenta-se numa linha de baixo e num jogo de cordas imaculado: é Pierce declaradamente a plagiar os Stones, no que estes tinham de mais melódico. "Get what you deserve", com os instrumentos à cabeçada, como que à procura do seu lugar, desenha uma espiral, ameaça subir e explodir mas acaba por comer a própria cauda, num festival de cacofonia. "Too late" é a primeira balada declarada - tão declarada que se demora meia dúzia de audições a apreciar, o que só acontece quando notamos pequenos truques de escrita: os graves da tuba a pontuar a melodia em contra-ponto com as cordas a subir aos agudos, a figura de guitarra em graves no refrão em ascensão, contrastando com o piano. "Headin'' for the top" é Pierce a fazer r''n''b em versão cabeça-toda-janada (piano a martelar, volutas de guitarras ao redor, uma maravilha), depois vem "Freedom", o único momento de auto-complacência declarada do disco. "I am what i am", um blues fodido, com slide guitar, coros femininos e metais esquizóides, repõe a fasquia lá bem no cimo. Lenta, arrastada, serpenteante, "Mary" foge um pouco ao resto do disco: um lamento dorido assente num órgão gélido, vai acumulando pequenas linhas melódicas (um pizzicato de violino, uma frase de baixo, uma linha de guitarra wah-wah) e lentamente parece querer levantar voo, com a cordas num enlevo ascendente. A partir daí o disco cai um pouco: "Life is a problem" acabará por encontrar o seu lugar na banda-sonora de um filme de domingo à tarde (naquela cena em que o protagonista, apesar de só, está cheio de esperança, imediatamente antes de se reconciliar com a família, ou a mulher, ou o cão); e "So long you pretty thing" estaria certamente na BSO de Ally McBeal se tivesse sido feita há uns anos (faltam vísceras àquele refrão aberto e programático que tenta plagiar os Stones de "You can''t always get what you want"). Ficam seis tremendos temas, meio disco ao nível de, bem, vocês sabem do quê.

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