Girls & Boys

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Peguemos em "Hold on", primeiro tema de "Girls & Boys": abre com entrada com o bombo e a tarola perfeitamente definidos, vem uma figura de guitarra com trejeitos de soul (e com o mesmo ataque de uma secção de metais), depois a segunda figura de guitarra, mais rendilhada, a surgir e a esvanacer-se num arranjo bluesy, o pianinho a repicar em fundo e o refrão de novo, repetindo tudo com mais intensidade (e um belo break de bateria secudado por outra figura de guitarra funky).

Cada um destes elementos podia estar no museu, há tanto tempo que as sub-espécies a que pertencem foram reconhecidas e etiquetadas. Mas posto sob esta ordem, com esta reverberação nas guitarras e este timbre de voz, quase parece que é novo. É sempre uma ilusão, claro: se fosse verdadeiramente novo, estranharíamos. Possivelmente o que nos atrai é exactamente o oposto, o reconhecimento de um som que gostamos e já nos provou dar prazer. Com uma variante: é possível que apreciemos mais quando essa repetição não se esgota na simples emulação, quando há um miligrama não de originalidade mas sim de individualidade. Que no caso pode ser a estupenda voz de Brittany Howard. E que tem atrás de si uma banda que percorre todos os truques da cartilha R&B parecendo sempre estar a descobri-los pela primeira vez. "I found you" tem órgãos borbulhantes, baixo gordo e guitarrinha picada - soul clássica com truque: pouco depois do minuto e meio fica só o baixo e a bateria que preparam a explosão: um passo atrás, dois à frente. A soul conhece isto desde o tempo em que os pretos eram só pretos e a mulata não era a tal. Quando se chega ao riff ondulado de "Hang loose", com o piano a martelar em fundo, o pé já bate à muito, o rabo perdeu complexos e abanou e a espinha desafia a escoliose. Entrando na espantosa "Rise to the sun", qualquer dúvida que tivessemos à partida já se esvaneceu: não sendo um primor de originalidade entrega-se de tal forma à sua tarefa de rebentar no refrão que é difícil resistir-lhe. A guitarra que entra aos dois minutos dá vontade não de invandir a Polónia mas pelo menos o quarto da vizinha. Ouvindo "You ain't alone", uma balada, torna-se nítido a que ponto os Alabama Shakes aprenderam com os mestres (e adaptaram as fórmulas ao que os demarca: a voz de Brittany): os truques estão aqui todos, incluindo o piano em descida, a guitarra em contra-tempo, o prato-de-choque em marcação lânguida, a viragem a ameaçar turbulência, os pratos quando a canção sobe, a voz prestes a rebentar e finalmente a explosão a partir dos três minutos como que a dizer: agora sim, chegou a libertação (em fundo uma segunda linha a desenhar a linha melódica ascendente). De entre as escassas formas que os elementos que compõem o rock e a soul se podem ligar os Alabama Shakes descobriram uma, umazinha, que é muito deles. E levaram-na a um apuro formal admirável. Parece pouco, né? Então oiçam "Heartbreaker" e esperem que aquele órgão e aquela voz vos acerte em cheio.

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