Ver Aimar é um privilégio

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1. Pablo César Aimar Giordano tem 32 anos. Tinha 29 quando Rui Costa o convenceu a vir para o Benfica. E, se (muitas) mais razões não existissem, só por isso os benfiquistas, em particular, e os adeptos do futebol português, em geral, deviam estar eternamente gratos ao antigo número 10 das águias e da selecção nacional. Não é incomum que jovens talentos sul-americanos iniciem em Portugal carreiras fulgurantes que os levam ao estrelato internacional. Os exemplos estão por aí e os cofres dos clubes já se habituaram a essa receita. Mas que um talento universal como Aimar tenha vindo para Portugal numa idade em que muitos futebolistas estão no seu auge, isso foi qualquer coisa de histórico.

É claro que a carreira de Aimar andava um bocado por baixo quando surgiu a hipótese Benfica. Mas ele reencontrou-se. Que, na mesma altura, Rui Costa tenha também conseguido trazer Saviola – outro daqueles que todos os que gostam de futebol, independentemente da cor clubística, se sentem privilegiados por ver ao vivo – foi, provavelmente, o primeiro grande sinal de que as ambições na Luz assumiam uma nova dimensão. Ambos estão agora em final de contrato e quase sempre este “jogo do empurra” das renovações ou saídas a custo zero tem implicações no rendimento dos jogadores. Saviola confirma a regra. Aimar é, como em tantas outras coisas, um caso excepcional.

Há muito tempo que a equipa do Benfica não se apresentava tão consistente. Há dois anos, varreu o campeonato numa “Blitzkrieg” ofensiva que deixou os rivais de queixo caído durante meia temporada. Quando reagiram, era tarde. Seguiu-se um ano de aprendizagem. A equipa e os adeptos desceram à terra. E o treinador também. O Benfica continuava forte, mas já não conseguia atropelar os adversários e o grupo de trabalho conjugava redundâncias em algumas posições de campo com claros défices noutras. Ao insistir no mesmo estilo de “peito aberto”, Jorge Jesus arriscava em excesso. Perdeu algumas vezes, as suficientes para deixar escapar o título na I Liga e as finais da Liga Europa e da Taça de Portugal. Nesta sua terceira época, Jesus mostra-se mais calculista. Os jogos já não se ganham nos primeiros vinte minutos, mas nas segundas partes. O Benfica abana muito pouco.

Mas continua a depender de Aimar para aquele acréscimo de magia que tantas vezes faz a diferença. Witsel é um jogador notável, um poço de talento e energia, um ponto de referência para a equipa. Rodrigo está a crescer a uma velocidade estonteante e a mostrar que pode ser alternativa tanto para Cardozo como para Aimar, embora não seja exactamente nenhum deles. Gaitan mostrou a espaços no passado que talvez o seu posto natural seja a “10” e não como extremo. Tudo isso é verdade. Mas Aimar é Aimar. É todo aquele jeitinho sul-americano, malandreco nas faltas (já viram como faz muitas por jogo, sempre com ar de não ter tocado em ninguém?), instintivo na procura de espaços, brilhante na leitura de jogo, letal no último passe. Como se viu frente ao Gil Vicente, com ele o Benfica é outra coisa.

2. O Sporting parece uma daquelas cenas de cinema em que se usa uma elipse no tempo para criar um efeito dramático ou cómico. No filme-Sporting, ouve-se alguém perguntar “Quem é que deixou este fósforo aceso no cinzeiro?” e na cena seguinte a casa já está reduzida a cinzas. Só que no Sporting, espantosamente, isto passa-se em tempo real, sem que pareça haver quem pare um bocadinho para pensar e apagar o fósforo. O caso Bojinov é o mais recente exemplo desta histeria. Durante o jogo, um jogador sentiu que devia ser ele a bater um penálti. Afastou o companheiro designado pelo treinador para o fazer. E falhou.

Como é que a coisa se podia ter passado de outra forma? Em primeiro lugar, Matias Fernandez podia não se ter deixado afastar. Mas quem está lá dentro sabe que às vezes há essa coisa chamada fé, o impulso irresistível de agarrar as rédeas do destino. Bojinov sentiu esse impulso, Matias respeitou. É claro que a segunda maneira de tudo isto ter sido diferente seria a bola ter entrado e Bojinov acabar como herói. Cá para fora, pelo menos. Lá dentro, talvez fosse diferente. Porque este era assunto para resolver no balneário. O treinador poderia sempre ter uma conversa com os jogadores, se entendesse necessário, para reforçar a sua autoridade ou abrir espaço à personalidade dos jogadores. Tudo isto seria normal.

O que não é normal é a direcção do Sporting vir falar do caso e tomar posição sobre ele. Bojinov está suspenso. A equipa não tem pontas-de-lança. E Domingos, a quem a direcção roubou espaço e, em última análise, autoridade, há-de estar a pensar que, com amigos assim, nem precisa de inimigos...

3. O Real Madrid nunca fez tantos pontos numa primeira volta do campeonato espanhol. Continua na Liga dos Campeões e (até quarta, pelo menos), na Taça do Rei. Lidera o campeonato com cinco pontos de avanço sobre o Barcelona. E, no entanto, o treinador José Mourinho foi assobiado no Santiago Bernabéu. Mais do que entrar em patrioteirismos bacocos ou sentimentos de injustiça, convém fazer um esforço para perceber porquê. Os sócios do Real Madrid já perceberam que vai ser difícil ganhar ao Barcelona de olhos nos olhos. Alguns talvez prefiram perder de uma forma que considerarão “digna” do que ganhar com futebol defensivo e cínico. Estão no seu direito. Tal como Mourinho está no seu direito de fazer tudo ao seu alcance para ganhar. Sócios e treinador, todos querem ganhar. No final da época se verá quem escolheu a via melhor. O futebol não é um espaço de consensos.

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