"Se não sairmos da crise em dois anos, vai haver problemas com a ciência portuguesa"

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Jean-Pierre Contzen DR

Jean-Pierre Contzen, 76 anos, seguiu o crescimento científico português dos últimos 25 anos como poucos. Formado em Física Nuclear, este belga entrou na Comissão Europeia em 1974 e participou nas negociações de pré-adesão de Portugal com a então CEE, na qual foi conselheiro na ciência e tecnologia.

Na década de 1990 ajudou a avaliar os laboratórios do Estado. Foi conselheiro do ex-ministro Mariano Gago e é correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Faz parte da direcção do instituto belga Von Karman e é conselheiro da Universidade das Nações Unidas. Está em Lisboa como conselheiro científico do colóquio de três dias sobre Ciência nos Trópicos, promovido pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) que termina neste sábado. Defende que Portugal tem um lugar na promoção da ciência no mundo. Para já a ciência portuguesa tem que atravessar uma tempestade.

Acha que a ciência portuguesa está em risco devido à crise?

Não sei. Depende da duração da crise. Acho que toda a gente estava a pensar em 2008 que a crise iria ser pequena, tivemos alguma recuperação em 2010, depois voltámos a afundar. A questão é se saímos deste buraco rapidamente ou não. Sinto que o sistema resiste a uma política de austeridade durante um período limitado. Mas se durar de mais, começo preocupar-me.


Até quando é que aguenta?

É possível manter a máquina a funcionar durante dois anos. Mas se não tivermos sucesso em sair da crise, em dois ou três anos acho que teremos um problema.


O Governo pode fazer o quê?

Primeiro, não me parece que seja um problema partidário, a questão científica em Portugal sempre foi bastante consensual. É preciso navegar o barco no meio da tempestade. Se tiver uma recomendação a fazer, é a do pragmatismo. E uma vez definido o financiamento que a Ciência pode obter, deve-se atribuir logo o dinheiro. Tem havido bloqueamentos e os fundos não têm ficado disponíveis de imediato. Eu prefiro uma política em que os cortes são severos, mas assim que são feitos, as pessoas responsáveis pela Ciência têm a possibilidade de usar o dinheiro. Em tempos de crise deve haver mais fluidez no sistema do que rigidez.


O que acha da fusão do antigo Ministério da Ciência com o da Educação?

Não acho que os nomes ou a divisão das responsabilidades seja o mais essencial. É a substância. Em qualquer país poderia fazer um discurso de 20 minutos a dizer que é muito bom os ministérios estarem juntos, e poderia fazer outro discurso a dizer que seria melhor haver ministérios separados. É uma questão de bom senso na implementação das decisões.


Como é que a investigação e o desenvolvimento (I&D) podem ajudar a sair da crise?

Sigo a cena portuguesa de ciência e tecnologia há mais de 25 anos. O que acho é que o I&D atingiu um lugar que pode contribuir para o desenvolvimento económico e social do país. Mas há estudos que estão a produzir índices de inovação e olham para vários componentes que levam à inovação. No caso de Portugal, o nível científico é bom, mas falta a transformação dos resultados científicos em algo que contribua para o desenvolvimento. Uma das reflexões a fazer é como é que se assegura um sistema que recebe os resultados e faça uso deles.


O que é que falta?

É necessária mais coordenação entre universidades, laboratórios de Estado, centros de investigação independentes. Uma das palavras-chave do futuro é clusters de investigação. O país deveria também ser mais bem-sucedido na competição por projectos de investigação a nível europeu. Os programas de longa duração sofrem menos com a crise do que os orçamentos nacionais e podem manter o nível científico.


Estes programas não estão actualmente a ser procurados por todos os países?

Sim, mas é uma competição justa. Portugal beneficiou muito dos fundos estruturais europeus e foram utilizados de uma forma sábia. Acho que é tempo de entrar em competição com outros países ainda mais desenvolvidos. A questão não é o nível científico, mas o país tornar-se mais organizado e estar mais alerta.


Diz que o IICT seria importante para criar ligações a nível científico entre os países de língua portuguesa. Porquê?

Portugal, talvez mais do que outros países com um passado colonial, tem mantido boas relações com os países que falam português. Acho que a CPLP ainda é uma realidade. O que poderia não ser esperado é a emergência do Brasil como uma potência. Portugal tem a hipótese, com o Brasil, de ajudar os outros países da CPLP a descolar ao nível da ciência e tecnologia, e o IICT pode ser uma ferramenta para isto. O futuro da cooperação internacional em ciência deve ser a partir das regiões. Os países de língua portuguesa são uma espécie de pranchas para uma região maior. A CPLP tem pontos de entrada na América Latina, África, Macau. Devem utilizá-los para desenvolver a ciência e tecnologia.


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