O ciclo político

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A gestão do ciclo político significa que após as eleições tomam-se medidas mais duras do que as que seriam necessárias, e logo antes das próximas tenta-se dar alguma folga e alguma benesse de que os eleitores gostem.

O ciclo político é marcado pelas datas das eleições e nada tem a ver com o ciclo económico, pelo que muitas vezes a sua gestão tem efeitos prejudiciais na economia. Desde a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva como primeiro -ministro (que teve como mestre Alan Peacock em York), passando por Durão Barroso, José Sócrates e agora Passos Coelho, que os governos têm praticado a gestão dos ciclos. No presente essa gestão traduz-se em sobre-estimar o défice público de 2011.

Comecemos pelo mais simples, embora ainda envolto em alguma, mas pequena, incerteza. O défice público em contabilidade nacional, o que é relevante para nós portugueses, para a troika e o Eurostat situar-se-á em 2011, sem o fundo de pensões, e com as informações conhecidas, perto dos 7% do PIB, ou seja, em 12.000 milhões de euros. Isto é, cerca de 2000 milhões a mais relativamente aos 10.000 milhões a que nos comprometemos. Este valor obtém-se a partir das próprias projecções do Governo relativamente ao crescimento dos juros em Dezembro, a um cenário de quebra, usual neste mês, do excedente da Segurança Social, estabilidade do saldo dos fundos e serviços autónomos e ligeira deterioração das contas das administrações regionais e locais, já tendo em conta o "buraco" da Madeira. O valor do défice em 2010 foi de 9,8% (INE), pelo que houve uma melhoria, mas os 7%, estão claramente acima dos 5,9% a que nos comprometemos em 2011, e sobretudo os 7% são o que deve servir de referência ao valor de 4,6%, que é o objectivo para 2012. Assim, o esforço de consolidação orçamental em 2012 será de 2,4% do PIB.

Consideremos agora a receita do fundo de pensões que, como é já claro para todos, aumentará a dívida implícita do Estado, bem como a despesa pública em pensões nos anos vindouros. O impacto no saldo deste ano não é claro, pois se do lado da receita se sabe que andará pelos 6000 milhões (3,5% PIB), do lado da despesa não se sabe exactamente o que acontecerá. Se houver o encaixe total sem acréscimo de encargos, o défice reduzir-se-ia para 3,5% do PIB. Porém, se ao acréscimo de receita estiver associado um aumento de despesa em 2011 de metade desse valor, o défice reduz-se apenas para 5,25% (por exemplo, se a ACSS pagar aos Hospitais EPE, 3000 milhões, para estes saldarem as suas dívidas a fornecedores).

A um nível mais micro, os valores da última coluna dos dados da Tabela 1 deveriam estar todos em 100% em Dezembro. A um mês do fim do ano os Fundos e Serviços Autónomos, caso consigam manter o excedente orçamental, serão o único subsector que cumprirá os objectivos. A receita extraordinária do fundo de pensões vai tapar os desvios, face ao objectivo de redução do défice, do Estado, da Segurança Social (que apresenta ainda um excedente, mas está claramente a deteriorar a sua situação) e da administração regional e local, em particular da Madeira. A Tabela 2 mostra que os serviços integrados do Estado pouparam 1699 milhões, e isso deve-se essencialmente ao aumento da receita corrente (leia-se IVA, IRS e IRC) e a uma diminuição da despesa de capital. A maior poupança do Estado foi, contudo, nos cortes das transferências para outros subsectores.

Os dados apresentados reforçam as minhas convicções em relação à política da utilização do fundo de pensões. Dado que a receita líquida extraordinária necessária é de 2000 milhões em 2011, há margem para pagar dívidas este ano e para contabilizar parte da receita em 2012, desta forma podendo reduzir total ou parcialmente o corte de subsídios. A obstinação e incapacidade de negociação deste Governo em fazer entender à troika que a receita extraordinária em 2012 reduziria a recessão, com o mesmo efeito na dívida pública e no défice de 2012, deixa-me perplexo.

Professor do ISEG
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