A cantar é como se espera a decisão da UNESCO no Museu do Fado

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O Museu do Fado em Lisboa hoje não vai fechar as portas Enric Vives-Rubio/arquivo

Ainda a noite não começou e o Museu do Fado, em Lisboa, que vai estar hoje especialmente aberto 24 horas, está cheio. Na rua, ainda longe da porta do museu, já se sente o rebuliço. Ouvem-se umas guitarras e uns cantares, as pessoas param à porta, espreitam e entram.

“Eu já conhecia o museu, já cá vim algumas vezes mas hoje sabia que havia qualquer coisa e vim espreitar. É por causa de um prémio importante não é?”, pergunta uma senhora ao PÚBLICO, enquanto espreita por entre a multidão parada embevecida a ouvir uma actuação em pleno átrio do museu.

Não é um prémio mas serve como tal. A classificação do fado como património imaterial da humanidade pela UNESCO, que deverá ser anunciada esta madrugada, é o reconhecimento da expressão artística que ao longo dos anos pintou o retrato de Lisboa. Tem como expressão máxima Amália Rodrigues, mas nomes importantes não faltam e hoje, com Amália na memória – “ela ia gostar de saber isto”, comenta uma senhora enquanto vê um vídeo da fadista que morreu em 1999 –, muitos estão em Lisboa, no Museu do Fado. Alguns cantam, outros apenas falam com as centenas de visitantes que passeiam pelos corredores dos três andares do museu.

A entrada este fim-de-semana é gratuita e, por isso, esta é uma oportunidade única para conhecer o museu lisboeta de uma forma ainda mais intima, ou seja, com a presença dos fadistas, dispostos a falar e a contar tudo. Não há corredor ou sala que não tenha uma actuação. Algumas fazem parte do programa do museu para comemorar a classificação da UNESCO, mas outras são espontâneas. Acontecem porque o museu está em festa. Hoje não é dia de vergonha, tristeza ou lamentos. Como diz o ditado “quem canta, seus males espanta” e a avaliar pelas muitas prestações, parece ser verdade.

Às 22h há concerto de Jorge Fernando e Fábio Rebordão e às 24h é a vez de Carminho e Ricardo Ribeiro subirem ao palco. O concerto é gratuito, de acordo com a lotação do auditório, mas já não há bilhetes. Os que por lá estavam a pensar ir podem agora acompanhar a transmissão dos concertos em directo na página do Facebook.

Muitos dos que à tarde estavam no museu, diziam já não ir embora, com medo de perderem algum momento importante ou alguma presença relevante. “Isto hoje tem sido assim todo o dia”, diz um senhor com uma folha toda rabiscada na mão. “Falta-me é o autógrafo da Mariza, mas eu sei que ela está ali dentro.” O que tem na mão é uma folha autografada pelos muitos fadistas que de tarde têm passado pelo museu, desde José da Câmara, passando por Nuno Aguiar, António Chainho, João Braga, António Zambujo e Lenita Gentil.

À noite serão mais: Camané, Fernando Alvim, Hélder Moutinho, Ana Sofia Varela, Mário Pacheco e Celeste Rodrigues. E amanhã vão passar pelo museu, aberto até às 18h, Anita Guerreiro, Cuca Roseta, Miguel Capucho, Raquel Tavares, António Rocha, Aldina Duarte, Miguel Machado, Maria Amélia Proença e Joana Amendoeira. “Quantos mais [autógrafos] tiver melhor, eu gosto muito deles, oiço fado desde miúdo, ainda alguns destes artistas não sabiam o que era o fado”, continua o senhor, sem perder de vista Mariza, a embaixadora da candidatura.

Entretanto, no meio do corredor, sentadas em cadeiras, numa posição que lhes permite ver todo o rebuliço no museu, estão três senhoras, uma delas canta o fado “Ai Mouraria” e as outras deixam-se levar pelo ritmo na música. “Ah fadista”, como não podia deixar de ser, ouve-se esta típica frase mal a senhora acaba a sua música. Não é fadista - “nem tenho jeito” - mas gosta de cantar. “Moro aqui na zona desde sempre, o fado faz parte de mim e fico feliz de ver que não somos só nós os velhinhos a gostar disto”, brinca a senhora, lembrando os novos talentos que têm aparecido nos últimos anos. “A Carminho, por exemplo, canta muito bem. Só há uma coisa, dizem que ninguém é insubstituível, mas a verdade é que até hoje não houve mais ninguém como a Amália, aquilo sim era uma voz. Agora temos a Mariza, mas eu nem gosto muito dela, da música... Acho que ela às vezes devia respeitar mais a Amália.”

Numa outra sala pequenina do museu está um grupo de pessoas em roda, enquanto no centro estão dois fadistas amadores a cantar ao desafio. Há crianças a correr pelos corredores, acompanhadas pelos pais, há casais novos e velhos, e turistas a tentar perceber o que se está a passar naquele espaço.

Não se sabe a que horas será confirmada a classificação do fado como património imaterial da UNESCO, mas sabe-se que o museu hoje não vai fechar e que a música não vai acabar.

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