Braço-de-ferro na procura de solução para o sector bancário agudiza-se

Cavaco Silva diz que "talvez a troika tenha ido longe de mais"
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Cavaco Silva diz que "talvez a troika tenha ido longe de mais" Daniel Rocha
António Borges acusou Banco de Portugal de traçar "metas irrealistas"
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António Borges acusou Banco de Portugal de traçar "metas irrealistas" Miguel Madeira
Carlos Costa lembrou que as metas foram decididas com a troika
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Carlos Costa lembrou que as metas foram decididas com a troika Jorge Miguel Gonçalves/NFactos

Governo, Presidente da República, Banco de Portugal, FMI e bancos: o desentendimento é evidente em relação às medidas a aplicar ao sector bancário, no quadro da actual crise.

Nos últimos dias, vários responsáveis ao mais alto nível vieram a público manifestar posições e exprimir dúvidas sobre aspectos concretos do memorando de entendimento celebrado entre o Governo e a missão de intervenção externa (BCE/FMI/UE). Embora haja um consenso genérico sobre a necessidade de reequilibrar as contas públicas, de adoptar medidas de austeridade e de regressar ao crescimento através do financiamento à economia real, os sinais de divergências surgem quando estão em causa matérias técnicas como as relacionadas com a recapitalização e a redução da dívida dos bancos portugueses.

O Presidente da República, Cavaco Silva, o director do departamento Europeu do FMI, António Borges, o líder da oposição socialista, José António Seguro, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa, vieram manifestar-se nas últimas horas sobre o plano de ajustamento que está a ser aplicado ao sistema financeiro.

Os banqueiros portugueses travam hoje um braço-de-ferro com as autoridades, ao contestarem o sentido do plano desenhado pela troika e que, no capítulo da liquidez, exige, por um lado, a redução da exposição ao BCE e do endividamento e o reforço do capital (injecção de fundos) e, por outro, a libertação de recursos para a economia. Os bancos defendem que estas orientações têm efeitos na sua rentabilidade e são em si mesmas contraditórias, dados os efeitos recessivos. No final de 2011, os rácios de capital terão de estar em 9%, valor que será de 10% em 2012. Já o rácio de transformação de créditos em depósitos deve ficar abaixo dos 120%.

Quarta-feira, em entrevista à TVI, Cavaco Silva veio reagir em linha com os banqueiros portugueses, considerando que "talvez a troika tenha ido longe de mais" nas metas que fixou quer em termos de rácios de capital, quer na relação entre crédito e depósitos. E lembrou que as exigências são mais rigorosas do que as aplicadas noutros países, o que não se justifica.

Ontem, António Borges pronunciou-se sobre a situação portuguesa, através de um artigo de opinião publicado na Exame, onde defende que é "fundamental que, em Portugal, como por toda a Europa, os bancos aumentem o seu capital", ainda que "os banqueiros portugueses, como os franceses e outros", continuem "a insistir que não é preciso mais capital para assegurarem um nível de actividade normal". O economista notou que esta "discussão é totalmente inútil", pois a opinião "que conta não é a dos banqueiros portugueses, mas, sim, a dos mercados - se alguma vez quisermos regressar aos mercados - e a do Banco Central Europeu". Borges deixa a mensagem de que não há espaço para controvérsias: os bancos devem credibilizar-se junto dos mercados para voltar aos circuitos normais de liquidez. E ou os accionistas têm condições para injectar fundos, ou os bancos deixam o Estado entrar, ou mudam de mãos.

Já em matéria de redução de dívida, o director do FMI manifestou as mesmas preocupações que Cavaco Silva, mas deixou críticas ao BdP, que acusa de ter traçado metas "irrealistas" para os bancos portugueses, que terão de reduzir de forma drástica a proporção de euros emprestados por cada euro recebido em depósito. Carlos Costa tem exigido aos bancos que o rácio de crédito sobre depósitos, que nalguns bancos chegava, ainda recentemente, a 180%, baixe para 120%. Borges diz que esta medida "tem a consequência dramática de apertar a já estrangulada mangueira da concessão de crédito à economia". Isto por considerar a falta de financiamento como "o principal e mais dramático obstáculo ao relançamento da economia" portuguesa. No final do primeiro semestre, o rácio crédito/depósitos do BES era de 155% (160% em Março), o do BCP 144% (147%), o do BPI 110% (113%) e o da CGD de 123,5%.

A opinião de António Borges, director para a Europa do FMI, motivou uma reacção do BdP ontem ao início da noite: "No quadro do programa de assistência financeira a Portugal, negociado com a Comissão Europeia, o BCE e o FMI, ficou estabelecido que os oito maiores grupos bancários deverão reduzir gradualmente o respectivo rácio crédito/depósitos para um nível de 120% até 2014" e que, "a título de comparação", e no caso do programa de assistência à Irlanda, ficou estabelecido que o rácio crédito/depósitos se reduzirá para 122,5%", o que significa um esforço maior, dado o ponto de partida dos dois países.

Em matéria de recapitalização do sistema financeiro, Carlos Costa tem feito nos últimos meses um esforço e campanha pública no sentido de "sensibilizar" os banqueiros para recorrerem ao fundo de recapitalização de 12 mil milhões de euros consagrado no programa de assistência a Portugal. Esta solução está a ser contestada pelos bancos. Ontem o presidente da APB veio mesmo defender uma renegociação do memorando de entendimento assinado como a troika, alegando que banca não necessita dos 12 mil milhões: "O problema não é a banca, é a economia" e este "é um problema de liquidez e não de capital", disse.

Por seu turno, o líder da oposição socialista, António José Seguro, manifestou-se apelando "ao sentido de responsabilidade social" dos bancos, defendendo que "chegou a altura de a banca portuguesa devolver o esforço à economia e aos portugueses que os portugueses e o Estado fizeram quando a banca portuguesa há dois anos precisou desse apoio".

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