"Estou preparadíssimo para treinar qualquer clube"

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Rui Vitória não tem medo de novos desafios Fernando Veludo/NFactos (arquivo)

Aos 40 anos, Rui Vitória é um dos treinadores mais surpreendentes da Liga, ao comando de um Paços de Ferreira em alta rotação. O segredo? "Filosofia de equipa e uma ideia de jogo"

É um dos homens do momento no futebol português. No seu (ainda curto) reinado, o Paços de Ferreira está na final da Taça da Liga e ocupa um lugar europeu na tabela. Mas Rui Vitória aborda a época com cautela e justifica a recente renovação de contrato por duas épocas como um "reconhecimento para com o clube". Ainda assim, lembra que tem uma cláusula que lhe permite sair.

Está surpreendido com a época que o Paços de Ferreira está a realizar?

Quando começamos um trabalho desta natureza idealizamos sempre que as coisas vão correr bem. Que podemos fazer um brilharete. Mas nunca pensámos que nesta altura poderíamos estar no quarto lugar. As coisas foram acontecendo de uma forma muito natural. Conseguimos passar as nossas ideias e os jogadores evoluíram de uma forma brilhante. Claro que esta posição não é natural para a realidade do Paços.

Como se constrói uma equipa competitiva com um orçamento de 2,2 milhões de euros?

Muitas vezes penso que poderíamos ter sido aniquilados à nascença, porque viemos para a Liga sem um plantel estruturado, sem jogadores com nome que segurassem a equipa. Contratámos jogadores da II Liga e começámos a época com 12 jogadores abaixo dos 22 anos. Mas nunca perdemos o norte. Tínhamos um caminho e nunca saímos dele, mesmo quando as coisas não correram bem. Na minha perspectiva, a qualidade dos jogadores é importante, mas acima de tudo está a ideia do jogo. Definimos a filosofia de equipa e depois encontrámos os jogadores que se encaixavam nesses lugares.

Está a ter sucesso como treinador, mas como jogador passou despercebido...

Fui um jogador mediano. Estive na II Divisão e podia ter chegado a outro nível, mas fui comodista e faltou-me determinação. Se calhar o jogador Rui Vitória não jogava na minha equipa. Eu tinha alguma qualidade, como leitura de jogo, mas faltava-me determinação. A aposta na licenciatura em Educação Física, quando tinha 22 anos, também me condicionou como jogador. Se calhar hoje estou a ter a recompensa. Consegui formar-me do ponto de vista académico e empírico. Cheguei a ser professor, aluno e jogador. Estava constantemente a liderar e a ser liderado. Isto deu-me uma bagagem importante para este momento.

Considera mais importante o que aprendeu enquanto jogador ou na faculdade?

Considero que a parte que adquiri como praticante é mais importante. Muitas das coisas que eu faço moldei-as à minha personalidade, mas aprendi-as com os meus antigos treinadores. E fui um privilegiado porque trabalhei com os técnicos mais metódicos e carismáticos. Fui treinado pelo Vítor Medeiros, Mário Wilson, Arnaldo Cunha, João Santos. Aprendi bastante. Mas a parte académica é importante para ter uma base para tomar decisões.

Parece ter feito sempre uma aposta no sentido de ser treinador...

Comecei a jogar aos nove anos. O futebol foi sempre uma grande paixão. Mas hoje chego à conclusão que me realizo mais como treinador. Como treinadores conseguimos manobrar uma série de coisas. É como estar a olhar uma floresta de cima e ver que esta ou aquela árvore precisa de ser bocadinho mais ou menos tratada. Iniciei esta carreira aos 32 anos de forma inusitada. Na altura, estava a jogar no Alcochetense, da III Divisão, e num domingo à noite recebi um convite para ir treinar o Vilafranquense, da II Divisão. Naquele momento decidi que a carreira de jogador tinha acabado e que iria ser treinador. Acabei a uma segunda-feira como jogador e comecei na terça como treinador.

Depois do brilharete desta época, não lhe parece arriscado ter renovado por mais duas?

Provavelmente a próxima época será um desafio ainda maior, até porque vamos perder jogadores. Mas será aliciante. E que fique claro que o Paços é uma equipa que luta apenas pela manutenção. Esta mensagem tem de passar com clareza. A renovação é um reconhecimento para com o clube que me possibilitou a entrada na Liga principal. Se calhar o normal seria aproveitar a onda, mas acredito que se as coisas tiverem de acontecer acontecerão. Tenho uma cláusula que me permite sair. Se alguém quiser levar esta equipa técnica tem de falar comigo e com o Paços. Este tinha de ser o caminho normal, porque entendo que tem de haver seriedade no futebol.

Não tem ambições de treinar a outro nível ou ainda não se considera preparado?

É claro que tenho. Nunca pensei chegar a este ponto tão rapidamente, mas estou preparadíssimo para treinar qualquer clube. Não posso fazer futurologia e não sei se depois os resultados serão os melhores, mas sinto-me preparado.

Qual é a importância de equipas como o Paços surgirem a lutar pelos primeiros lugares?

É grande. Defendo que o futuro passa por um maior equilíbrio entre os clubes. Em Portugal falta uma pessoa que trace um caminho global, que permita aos pequenos mais receitas e a possibilidade de crescerem. O que interessa a FC Porto, Benfica e Sporting serem cada vez maiores e os outros cada vez mais pequenos? Nada. Um aumento de competitividade permitiria aos grandes uma maior preparação para os jogos internacionais. Os jogadores dos grandes sentem em muitos jogos que podem descomprimir.

Há muitos treinadores que defendem também que o quadro competitivo deveria aumentar.

Deveria ser mais regular. Não há nenhum problema em jogar ao domingo e à quarta-feira desde que sejam preservadas as 72 horas que está provado ser o tempo necessário para recuperar do ponto de vista físico e mental. O FC Porto tem jogado ao domingo e à quarta-feira e não sofreu quebras em nenhuma das competições. O plantel é que tem de ser construído para dar resposta a essas exigências. Jogar mais oferece ritmo aos jogadores, que acabam por se habituar. O ser humano é um animal de hábitos e os jogadores gostam mais de jogar que de treinar.

O Paços está na final da Taça da Liga, apesar das críticas de que a competição foi estruturada para os grandes ganharem. Concorda?

Concordo. O Paços de Ferreira, apesar de tudo, tratou a Taça da Liga como uma competição em que queria ir longe. Mas a prova está feita para que um ou dois dos grandes cheguem à final. São protegidos logo à partida. Para quem patrocina pode ser vantajoso, mas se vamos por aí que façam uma prova só entre os três grandes.

Qual é a explicação para, nesta altura, não se assumirem como candidatos à UEFA?

Mas não podemos assumir um objectivo que no início do campeonato não era o nosso. Há clubes que fizeram investimentos fortíssimos para conseguirem um lugar europeu, que é vital até para a sua subsistência. Se o Paços dissesse que era candidato e não conseguisse deixaria um travo de frustração numa época brilhante.

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