Para Angola, lentamente, à procura dos mortos da guerra colonial

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Uma das fotografias da exposição "Guerra da Ultramar - 50 Anos Depois", que representa as tropas portuguesas em Angola Fernando Farinha

Pedimos aos leitores sugestões de uma história que gostassem de ver publicada no 21º aniversário do PÚBLICO. Entre as sugestões, seleccionámos cinco, submetidas depois a votação entre 22 e 27 de Fevereiro. Venceu a sugestão sobre o Museu do Combatente e os 50 anos do início da guerra do Ultramar.

No livro de honra da Liga dos Combatentes, o embaixador de Angola em Lisboa, José Marcos Barrica, deixou escrita pelo seu punho uma promessa que responde a um projecto iniciado há sete anos: tudo fazer para que Portugal possa procurar os militares que ficaram sepultados em Angola.

A promessa do embaixador angolano, em Novembro último, numa visita à sede da Liga dos Combatentes em Lisboa, ainda não se traduziu em nada de concreto — para pena do tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, presidente desta instituição tutelada pelo ministro da Defesa. Era por Angola— onde em 1961 rebentou a guerra colonial, que haveria de se propagar às outras colónias portuguesas em África — que Chito Rodrigues gostaria de ter começado o programa Conservação das Memórias.

Lançado em 2003, este programa, em curso, pretende localizar, identificar, concentrar e dignificar os locais onde se encontrem portugueses nos vários cantos do mundo.

E Angola tinha logo sido escolhida para o início dos trabalhos porque, afinal, também foi ali que tiveram lugar os ataques de 4 de Fevereiro e 15 de Março, de 1961, as duas datas mais marcantes do início das guerras contra o colonialismo português.

A 4 de Fevereiro, grupos de angolanos, armados sobretudo com catanas, atacaram durante a madrugada cadeias e instalações oficiais em Luanda. Dos ataques resultou a morte de sete elementos das forças de segurança e de cerca de 15 atacantes, além de um número indeterminado de feridos. A 15 de Março deu-se uma sublevação no Norte de Angola, que provocou a morte de mais de 800 brancos e milhares de negros ao seu serviço. Esses ataques levariam, a 13 de Abril, António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros, a falar da necessidade de defender a todo o custo a maior das colónias portuguesas e a usar palavras que ficariam célebres: era altura de “andar rapidamente e em força” para Angola.

Evocação a 15 de Março

Os acontecimentos de 15 de Março de 1961, que marcariam o início do fim do império português, vão ser evocados no próximo dia de 15, em Lisboa, pela Liga: às 10h30, será celebrada uma missa no Mosteiro dos Jerónimos, com a presença do ministro da Defesa Nacional, Augusto Santos Silva; às 12h30, o Presidente da República, Cavaco Silva, irá descerrar uma placa evocativa do início do conflito em Angola no Monumento aos Combatentes do Ultramar, junto do Museu do Combatente no Forte do Bom Sucesso; e por fim, às 17h30, poderão ouvir-se na Sociedade de Geografia as palestras de Adriano Moreira e do general Gonçalves Ribeiro, que após o 25 de Abril foi o Alto Comissário para os Desalojados vindos das antigas colónias.

“Não estamos a comemorar, estamos a evocar o esforço da nação portuguesa na guerra colonial, estamos a evocar uma partilha de memórias e a homenagear todos os vivos, os mortos e as vítimas envolvidos no conflito, independentemente do lado por que se bateram”, diz Chito Rodrigues.

Voltando a 2003, a Liga estabeleceu os primeiros contactos com as autoridades angolanas para localizar e recuperar os restos mortais dos militares ao serviço de Portugal. Mas até agora, altura em que se evocam os 50 anos do início da guerra colonial, esse plano não passou do papel.

Num mapa de Angola, repleto de bolas coloridas, foi sendo reunida a informação sobre os militares que lá ficaram, tanto de recrutamento local como oriundos da então chamada metrópole, e os sítios onde estarão sepultados. Entre 1961 e 1975, ficaram lá 1448 militares (586 da metrópole), em 187 locais. Mas é preciso ir a esses sítios ver como estão agora, confirmar a identificação dos restos mortais e depois concentrá-los nalguns pontos de Angola apenas.

“Estamos no momento da partilha de memórias. Deixem-nos honrar os mortos, de qualquer dos lados. Julgava que seríamos compreendidos nesse nosso sentimento — mas ainda não fomos”, diz Chito Rodrigues. “Temos feito esforços por todas as vias. Para nós não há problema, as autoridades angolanas dizem que não há problema. Mas ainda não fomos.”

E porquê? “Não sei”, responde. “Queremos ir, mas não queremos invadir nada. Só queremos que as autoridades angolanas nos indiquem um interlocutor, como fez a Guiné e Cabo Verde, para estabelecermos um protocolo de acção e sabermos onde podemos ir”, acrescenta. “Tenho esperança de que ainda este ano Angola seja a próxima acção da Liga, em termos do programa Conservação das Memórias. O embaixador angolano disse-me que teríamos o problema resolvido.”

No livro de honra, José Marcos Barrica deixou registado: “Levamos connosco o sentimento da direcção da Liga e do seu presidente, em particular, de ver realizada em Angola o projecto Conservação das Memórias.” Pode ainda ler-se: “Agiremos junto das competentes instituições angolanas, para que esse desejo manifestado seja realizado, enquanto elemento importante de uma história comum, de uma memória colectiva.”

O tempo encarregar-se-á de esclarecer se estas foram, ou não, palavras de circunstância. Na Guiné-Bissau, o primeiro país onde a Liga avançou com este programa, as palavras traduziram-se em cinco missões, entre 2008 e 2010, de localização das sepulturas deixadas pelo país. Foram também exumados e identificados os corpos de 50 militares da metrópole, pela equipa da antropóloga forense Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra. Os restos mortais de nove já foram trasladados para Portugal, por vontade das famílias.

Ainda durante 2010, entre Julho e Agosto, a Liga avançou com missões idênticas de reconhecimento em Cabo Verde e São Tomé, já terminadas. E em Setembro, fez a primeira missão a Moçambique, onde ficaram 1414 militares (228 da metrópole), em 184 locais. Percorreram-se milhares de quilómetros, para visitar 23 cemitérios em 19 dias, no Norte e Sul do país.

Para 2011, em Junho, está previsto o regresso a Moçambique, com a visita a outros dez locais no Centro. Como o país é extenso, a Liga pretende concentrar os corpos exumados em dois ossários, a construir em Nampula, destinado a 30 corpos, e na Beira. Tendo o ossário de Nampula, e já referenciadas as sepulturas por todo o país, a equipa de Eugénia Cunha começará a exumação, em princípio em Setembro, dos restos mortais em sítios isolados.

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