Clubes, polícia, Governo e tribunais culpados pela fraca aplicação da lei contra a violência

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O último derby em Alvalade originou confrontos entre claques e polícia Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP

Os clubes deviam ser mais duros na censura aos adeptos violentos, não lhe dando apoio e podendo até retirar-lhes o estatuto de sócios. O Instituto do Desporto de Portugal devia aplicar sanções aos clubes que apoiam claques ilegais. A polícia devia apresentar mais vezes os prevaricadores em tribunal. E os juízes deviam proibir mais frequentemente os adeptos violentos de entrarem nos estádios.

São estas as razões para a Lei contra a Violência no Desporto não estar a ser bem aplicada em Portugal, disse ao PÚBLICO João Morais, advogado e professor universitário, e um dos oradores num seminário sobre segurança no futebol, organizado sexta-feira pela Liga de clubes.

Uma conclusão quase unânime deste seminário foi que a actual lei, aprovada em 2009, é boa, mas não está a ser devidamente aplicada. A grande diferença entre os intervenientes no debate surgiu na explicação das razões para este cenário.

A polícia, por exemplo, queixou-se do facto de a proibição dos adeptos violentos entrarem nos estádios estar a ser pouco utilizada. O comissário João Pestana, director da Unidade Regional de Informações Desportivas (URID) de Lisboa, revelou que entre 2003 e 2010 apenas dois adeptos receberam um castigo deste tipo. Ao que o PÚBLICO apurou, um deles foi o chamado "diabo de Gaia", um adepto do Benfica que, em 2008, entrou no relvado e agrediu um árbitro assistente, tendo sido condenado ao afastamento dos estádios durante um ano (já cumprido). O outro é um elemento da claque benfiquista No Name Boys, que está preso e quando sair em liberdade terá de ficar afastado dos estádios durante um ano.

Mão dura na Liga espanhola

O cenário em Portugal contrasta, por exemplo, com o que se passa em Espanha, onde todas as semanas há adeptos impedidos de entrar em recintos desportivos durante alguns meses. As penas aos infractores são aplicadas pela comissão estatal contra a violência, racismo, xenofobia e intolerância no desporto. Só na reunião do passado dia 10, e relativamente a jogos da Taça e da Liga espanhola, 20 pessoas foram condenadas a seis meses ou um ano sem acesso a estádios, por partir cadeiras, cuspir nos stewards, insultos racistas, consumo de bebidas alcoólicas e uso de ponteiros laser.

João Pestana deu ainda o exemplo do recente Sporting-Benfica, revelando que "alguns dos adeptos envolvidos nos incidentes tinham um histórico relevante de comportamentos inadequados, associados a violência no desporto". "Se fossem cidadãos ingleses, não estariam no estádio", denunciou o comissário da PSP, referindo-se à prática, habitual em Inglaterra, de proibir a entrada de adeptos violentos nos recintos desportivos. E até acrescentou que muitos deles estarão quarta-feira na Luz, no jogo frente ao Benfica.

Os cinco detidos em Alvalade na segunda-feira foram presentes a tribunal e saíram em liberdade, com termo de identidade e residência. O advogado João Morais considera que o juiz poderia ter determinado uma medida de coacção mais pesada (como a proibição de assistir a jogos), mas também defendeu que "não se pode colocar todas as culpas no poder judicial".

É que se é verdade que só "os tribunais podem aplicar essa pena", também é necessário que a polícia apresente os prevaricadores ao Ministério Público, "de forma a que se inicie o processo penal". O que, na opinião de João Morais, nem sempre acontece.

Os clubes também não escaparam ilesos. Em declarações ao PÚBLICO, o comissário João Pestana lamentou que estes não sejam mais activos na condenação da violência dos seus adeptos, argumentando que noutros países é comum, por exemplo, fãs serem expulsos da categoria de sócios em caso de mau comportamento. "Cá não tenho notícia de isso alguma vez ter acontecido", afirmou o responsável, para quem a prevenção é um aspecto essencial. Esta crítica foi rebatida por Fernando Gomes, recusando que os clubes sejam brandos na censura dos fãs violentos e alegando que não "têm meios" para o fazer.

Fernando Gomes pasmado

A PSP revelou ainda que desde 2003 foram identificados 1070 adeptos e outros 202 foram detidos por comportamento incorrectos. E deu o exemplo do que se passou antes do jogo entre o Sporting e o Atlético de Madrid, no ano passado. Nos confrontos entre adeptos das duas equipas, foram identificados 20 adeptos do Sporting, 15 dos quais tinham antecedentes.

O presidente da Liga mostrou-se "pasmado": "O próprio Estado não tem mecanismos para banir este conjunto de indivíduos", lamentou Fernando Gomes, apelando ao Governo para garantir o efectivo cumprimento da legislação, considerando que "a distância entre essa lei e a sua aplicação é demasiado grande".

Antes, Laurentino Dias, secretário de Estado do Desporto, tinha lamentado alguns incidentes verificados recentemente, embora recusando qualquer intervenção do Governo ao nível da aplicação de sanções: "Há regulamentos que delegam essa competência para a Liga de futebol".

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