Vicki Leekx

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Maya Arulpragasam é um puzzle nem sempre fácil de montar, surgida com aura de guerrilheira, máquina recitadora de palavras afiadas a cortar pistas de dança suportadas por ritmos entre a selva africana e a tribo urbana (que enche favelas a deitar gente por fora).

Rapidamente se impôs a tentação de tudo o que fez desde que chegou aos ouvidos do público com a mixtape "Piracy Funds Terrorism, Vol.1" ser escarafunchado à procura de mensagens políticas. Ou não andasse a moça a gritar por aí que é apoiante dos Tigres Tamil do Sri Lanka, a cantar repetidamente sobre armas, imigração e o abominável monstro da era digital, e a encomendar vídeos milimetricamente preparados para o choque via violência gratuita. Ironicamente, agora que lança a sua segunda mixtape, disponível gratuitamente na internet, baptiza-a "Vicki Leekx" com toda a pompa e, ainda assim, passa-se a peneira por aqui e aquilo que encontramos é tão-somente uma boa experiência musical tão caseira quanto os cocktail molotov que se aprende a fazer na net - como se fossem o passo-a-passo da montagem de mobiliário sueco. Uma faixa única de 36 minutos, que reclama com alarde o seu estatuto de marginal, mas sobre a qual não paira nem sequer a sombra do mais mísero donativo para a causa de Julian Assange, quanto mais uma referência explícita... Se é um clássico do Natal português a roupa velha - arrebanhado culinário dos restos do bacalhau da véspera -, "Vicki Leekx" na sua essência não anda muito longe desse conceito de enfiar as sobras para dentro de uma panela e ver um milagre por ali ser obrado, sem grande pressão quanto ao resultado final. "Vicki Leekx" goza dessa ligeireza de não ter de vender nem uma só unidade e, portanto, poder aproveitar os templates de Maya para construir algo que não fica obrigado a incluir um single de sucesso ou que se aparente minimamente ao formato de canção. Daí que esta faixa única seja um longo tema mutante, que se vale de todas as armas (inclusivamente do som das próprias armas) habituais no coldre de M.I.A.: os ritmos de apelo tribal do baile funk, do dancehall, do jungle, do hip-hop, passados por um filtro de estúdio sofisticado, com gente de mãos ensinadas como Diplo ou Switch a tornar esta torrente musical num refinado produto subterrâneo. Essa, de resto, é talvez a maior das qualidades de "Vicki Leekx" e aquilo que mais se aproxima da cruzada de Assange (mera pirataria informática, jornalismo do cidadão, mais um prego no caixão da credibilidade dos governantes, o que for): a matéria em bruto, na tentativa de eliminação de intermediários, do delator/criador ao consumidor num ápice. Talvez M.I.A. sempre devesse ter sido escutada neste formato próprio do hip-hop, sem grande preocupação comercial. A sua música soa mais honesta assim. Não necessariamente melhor, mas mais honesta.

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