Francisco Lobato no Atlântico com os olhos postos na volta ao mundo

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"O silêncio e a sensação incrível que o mar transmite é infinitamente maior do que o medo" Shamila Mussa (arquivo)

Chamam-lhe "o velejador solitário", mas Francisco Lobato diz que não se identifica com a designação. Não que a lógica da alcunha seja questionável - Lobato é velejador oceânico e há provas de que passa dias a fio sozinho no mar, sem qualquer contacto com terra -, mas o português, que se prepara agora para a terceira travessia a solo no Atlântico, prefere apelidar o mar de "companheiro".

Percebe quando as pessoas dizem que "não se meteriam lá sozinhas", mas só por uma razão: desconhecimento. "O silêncio e a sensação incrível que o mar transmite é infinitamente maior do que o medo", garante. Mesmo que medo seja uma palavra que continua a fazer parte da relação entre o velejador e o mar ("Continuo a ter medo, vou ter sempre").

Lobato tem 26 anos e há quase 26 anos que anda no mar. Com poucos meses já fazia viagens para a Madeira com o pai e o avô. Aos sete anos entrou para uma escola de vela, em Lisboa. Aos dez ganhou o primeiro barco de competição (prenda do pai) e aos 11 (quando todos os outros concorrentes tinham 15) entrou no primeiro Campeonato do Mundo.

Não é fácil escolher o ano mais marcante da vida de Lobato. Entra na equipa pré-olímpica para Atenas (2004), é o número um no ranking mundial da classe mini de série (2006, 2007 e 2008), apesar dos contratempos (já lá vamos), termina a primeira regata Transat 6,5 (2007), ganha a grande regata Les Sables-Açores-Les Sables (2008), é o primeiro e único português a ganhar a mítica Transat 6,5 (2009).

Por estes dias, já estará a chegar a França, onde vai passar as próximas semanas a treinar intensivamente para o terceiro assalto que fará à regata Transat 6,5, numa pequena embarcação (classe Figaro 2) de apenas dez metros. Na despedida que fez no Douro, o velejador confessou ao PÚBLICO a ansiedade em chegar à prestigiada base de treino francesa (onde só se entra por convite). "Chegar a França é concentrar-me finalmente no meu objectivo: treinar, optimizar velocidade, melhorar o barco." E a preparação passa por muitas horas no ginásio, bicicleta, natação. Mas também por estudo meteorológico, de ventos e correntes, e delineação de estratégia.

São 4200 milhas (7770 quilómetros), que ligam La Rochelle, em França, e Salvador, no Brasil. São mais de 20 dias completamente sozinho no mar. Lobato já o fez antes, mas isso não significa que a ansiedade seja menor quando partir, no dia 10 de Abril. Há demasiada coisa em jogo: a gestão do sono (dorme quase sempre em turnos de 15 minutos, no máximo 30, em "pseudocamas"), a alimentação (há alimentos, como o trigo e leite de vaca, que, se evitar, faz com que consiga mais facilmente "levar o corpo ao limite"), o controlo das alucinações que podem surgir devido à exaustão, a afinação constante da estratégia a seguir. Navegar nestes barcos é um desafio: afinar as velas para obter o maior rendimento possível da força do vento, levar o barco na direcção certa, criar uma rota.

O pior, diz, é o "perigo inerente" à prova: "Se cair ao mar, não tenho lá ninguém para me ir buscar." E Lobato sabe do que fala. Em 2007, na primeira vez em que participou nesta prova, "ondas de dez metros" atiraram-no ao mar. "O mastro partiu, saiu tudo borda fora." A ajuda por satélite foi accionada, mas quando o helicóptero chegou pela manhã (tinha caído ao mar durante a noite), o velejador não quis que o levassem. Sabia que dessa forma perderia o barco. Lembra-se de chorar por pensar que não conseguiria chegar ao Brasil. Mas chegou.

Quinze dias "sem dizer olá"

Lobato define-se como uma pessoa calma e persistente ("Às vezes até de mais, tenho algumas desilusões à conta disso") e, diz quem o conhece, tem uma capacidade de automotivação e sacrifício fora do normal.

Isto aplica-se também à capacidade de estar sozinho em alto mar - "Aguento muito tempo sem ter de dizer olá a uma pessoa, só ao fim de 15 dias é que começa a custar mais" -, ainda que admita que não seja tarefa fácil: "Tento manter-me ocupado, focar no objectivo, mas às vezes vou abaixo." Manter-se ocupado não significa uma coisa tão simples como ler um livro ("Não dá, seria demasiada distracção"), mas pode consistir em ouvir música: "Muitas vezes portuguesa, mas também clássica, pop, rock."

A vitória na Transat 6,5, em 2009, é eleita pelo lisboeta como o momento mais alto da carreira. E não é para menos. Não foi só o ouro que Lobato conseguiu. Foram tempos impressionantes: na chegada à Madeira (a paragem que é feita a meio da regata), levava um avanço de 22 horas para o segundo classificado. Quando chegou ao Brasil (depois de 26 dias, 19 horas, 39 minutos e 19 segundos), a vitória também celebrava os "cinco anos de preparação e incertezas" por que passou. No mar, foram dias de tempestades assustadoras, de "humidade a 100 por cento e temperaturas de 40 graus". Mas também foram momentos que "não se teria em 20 anos de escritório" - e essa é a melhor parte, garante.

Para já, Lobato tem uma agenda preenchida: em 2011 e 2012 vai entrar em várias competições no seu Figaro 2, de 10 metros de comprimento, para afinar estratégias. E pelo meio tem uma tese de mestrado em Engenharia Naval para terminar.

Um dia, há-de dar a volta ao mundo no seu barco à vela. Sabe que essa aposta implica "valores muito altos" e que não é fácil arranjar patrocinadores para isso, apesar da garantia do secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, após a vitória do português na Transat, de "estudar uma forma de dar apoio a estes projectos solitários".

Certo é que Lobato sonha com uma presença na Volta ao Mundo em Solitário - Vendée Globe, em 2016, que decorre durante três meses sem uma única paragem. Loucura ou valentia? "Um pouco das duas."

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