Falta de portaria impede Governo de cobrar a nova taxa especial sobre a banca

Foto
O Ministério das Finanças está envolvido numa nova polémica Pedro Cunha/ arquivo

A contribuição extraordinária sobre o sector bancário, anunciada pelo Governo como a forma de a banca contribuir em 2011 para a crise financeira, está ainda pendurada por falta de portaria regulamentadora. O Ministério das Finanças não explicou ao PÚBLICO os atrasos verificados.

A contribuição extraordinária está prevista desde a apresentação do Orçamento do Estado de 2011, a 15 de Outubro passado. Na altura, o próprio ministro das Finanças e a bancada socialista agitaram-na, no debate de apresentação do OE de 2011, diante das bancadas da esquerda parlamentar, quando alegavam que o esforço da austeridade caía sempre sobre os desprotegidos. O primeiro-ministro, na altura, nada disse, apesar de ter sido convidado, por diversas vezes, a dar pormenores em quanto iria taxar a banca.

A taxa da contribuição poderia variar entre 0,01 e 0,05 por cento sobre o passivo apurado, deduzido dos fundos próprios de base ou complementares e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos. E, por outro lado, entre 0,0001 e 0,0002 por cento sobre os valores dos instrumentos financeiros de derivados, fora do balanço.

Esta base de incidência das taxas a aplicar foi explicada como sendo uma forma de penalizar as práticas bancárias mais arriscadas. Mas, segundo a própria lei aprovada, houve diversos aspectos que ficaram por regulamentar.

Primeiro, a forma de liquidação. "A base de incidência", bem como as "taxas aplicáveis" e "as regras de liquidação, cobrança e de pagamento da contribuição" ficaram de ser objecto de portaria do ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal. Depois, a declaração da liquidação - a ser feita pelo próprio contribuinte por via electrónica até 30 de Junho de cada ano - teria de ser aprovada pelo ministro das Finanças em portaria.

Quais são os efeitos?

Os efeitos do atraso verificado na publicação das portarias são claros para o fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do último Governo António Guterres, Rogério Fernandes Ferreira. "Se se aplicar a partir de 1 de Janeiro, teremos a discussão da famosa questão da retroactividade [da tributação proibida pela Constituição]", afirmou ao PÚBLICO.

A questão da inconstitucionalidade foi precisamente suscitada com outras medidas do pacote de austeridade (aumento extraordinário de IRS em 2010). O Tribunal Constitucional dividiu-se ao meio, pela clivagem partidária que esteve na base da nomeação dos magistrados (PS e PSD). E a medida "passou" sobretudo dado o interesse nacional neste momento delicado.

Outro fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do primeiro Governo Guterres, António Carlos Santos, tem outra opinião. Não lhe parece que possa surgir um problema de retroactividade, porque "os elementos essenciais da contribuição (regras de incidência e taxas) estão suficientemente delimitados por lei". Mas questiona a técnica legislativa do Governo, nomeadamente o facto de usar uma portaria.

"A portaria apenas pode definir elementos não essenciais do imposto, como a liquidação e a cobrança", começa o fiscalista. Quando a lei refere que a portaria vai definir "a base do imposto, só pode querer dizer formas de determinação do valor tributável (e não de incidência)". E o facto de ser uma portaria a fixar a taxa, ainda que não seja original - já se passa assim nos impostos especiais de consumo -, "sendo porventura discutível, não [colocará] um problema de retroactividade".

"Claro que definir isso por portaria não será uma boa técnica legislativa", continua. "A Lei Geral Tributária (artigo 8º, 2) apontaria para necessidade de decreto-lei." "A hipótese de haver um problema constitucional mesmo em matéria de liquidação e cobrança poderia ainda advir do facto de serem postas em causa, na regulamentação, garantias fundamentais", o que obrigaria ao uso de uma "lei ou decreto-lei autorizado". E "deveria observar-se o artº 18 da Constituição", ou seja, teria de ser uma lei de carácter geral, sem efeitos retroactivos". "Mas não é uma questão de inconstitucionalidade." "Importante é que a portaria se conforme com a lei do OE", conclui.

Há, porém, um aspecto em que os dois fiscalistas estão de acordo. Sem portaria não há contribuição extraordinária. "Até lá, não creio que possa ser aplicada ou exigida a nova contribuição", afirma Rogério Fernandes Ferreira. "Agora, sem portaria, a lei aprovada, embora me pareça válida, permanece ineficaz", declara António Carlos Santos.

Por três vezes, desde 29 de Dezembro de 2010, o PÚBLICO tentou obter por parte dos responsáveis do Ministério das Finanças uma resposta sobre a data de publicação da referida portaria e se esse atraso não iria suscitar problemas de aplicação. Apesar da insistência, foi em vão.

Desde a sua apresentação, o Governo levou mais de dois meses e meio para aprovar e publicar as ditas portarias. Os últimos dias de Dezembro foram aproveitados para publicar inúmeros diplomas, estatutos de institutos, tabelas de taxas, mas nada sobre a banca.

Sugerir correcção
Comentar