António Lobo Antunes apresentou ontem o seu novo romance enquanto negoceia já o próximo "com a morte"

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Lobo Antunes estará nos próximos dias nas livrarias a dar autógrafos Fábio Teixeira

António Lobo Antunes está a "negociar os livros com a morte". Há meses a escrever um livro com uma rapariga de cinco anos ao centro, sente-se cansado. "Este livro está a dar cabo de mim", confessou ontem durante a apresentação do seu último romance, Sôbolos Rios Que Vão, que acaba de chegar às livrarias numa edição da Dom Quixote.

Às voltas com umas linhas, não teve energia para autógrafos. Pediu desculpa aos leitores - na sala do Museu da Água, em Lisboa, estavam Eduardo Lourenço, Ramalho Eanes e sua mulher, Daniel Serrão, Gonçalo M. Tavares, Vitorino, Rui Cardoso Martins, Frei Bento Domingues - e fez saber que estaria nos próximos dias a autografar em livrarias.

Foi o filósofo José Gil que apresentou a obra, "uma honra e um real prazer" falar de "um grande livro com muitos aspectos insólitos e inéditos na escrita do autor". José Gil lembrou como todos conhecemos a "máquina literária de Lobo Antunes", mas também como estamos longe de a ter esgotado.

Neste novo romance, em que desde o início o leitor perde as referências espácio-temporais da estrutura narrativa, "quase parece, às vezes, que se urde uma trama mas, na verdade, é um efeito de uma espera subtil que se espalha por toda a escrita: espera e não espera da morte", disse José Gil.

Neste romance metafísico, que pode ser visto como uma meditação sobre a morte ou como uma paródia disso mesmo, "a doença paira sobre tudo o que se diz, se pensa, se nomeia, sobre tudo o que existe".

Enquanto ouvia José Gil falar, António Lobo Antunes lembrou-se da sua infância e adolescência e das personagens que por lá andavam. Por exemplo, da relação de uma senhora da sua família com o merceeiro, que duplicava as contas por ser "para vossa excelência". Foi assim que o escritor se sentiu na apresentação do seu romance: em vez de dois, "por ser para vossa excelência, vão quatro". Aos oito anos, Lobo Antunes pensava qual o sentido da vida e já escrevia. Mas não sabia ainda que a distância enorme entre a emoção e o que ficava no papel podia ser diminuída através do trabalho. "A gente não escreve porque tem coisas para dizer, a gente escreve porque quer dizer. E comecei a perceber que o que eu queria dizer era aquilo que se perdeu."

Lobo Antunes quer que os seus livros sejam um "diálogo permanente entre o texto e o público". E lembra-se de Paul Celan, que dizia: "Sou mais eu, quando sou tu." Os livros conversam com Lobo Antunes e o escritor conversa com eles. Mas será que lhe darão tempo para escrever o que queria?, pergunta. Este romance já lhe está distante, o que está a escrever agora tem-lhe dado problemas todos os dias. Porque Lobo Antunes sabe, como sabia Flaubert, no fim da vida, que "a puta da Bovary vai viver e eu vou morrer".

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