Nissan Leaf ou o desafio do custo-benefício de andar eléctrico

Ao volante, sucedem-se sensações estranhas. Descobrem-se detalhes que evitam o ruído por não haver ruído e carrega-se em interruptores. O futuro faz-se por pequenos passos.

O “bicho” é esquisito. É o mínimo que se pode dizer. A começar por aqueles “olhos” salientes e enormes de plástico transparente que protegem os faróis.

“É por causa da aerodinâmica”, explica-nos um responsável da Nissan. “Os protectores de faróis foram desenhados assim para encaminhar o ar de forma a este não embater nos espelhos retrovisores e, assim, diminuir o ruído aerodinâmico”.

Ruído aerodinâmico? Porquê tanta preocupação? Todos os carros o têm…

Pois têm – mas nós não damos por esses ruídos, porque o barulho do motor se lhes sobrepõe. Ora, no Leaf, o motor não faz barulho, e essa é a segunda sensação estranha. “Aquele botão serve para ligar um altifalante com um ruído que imita o do motor”, explica o técnico que nos acompanhou na curta viagem ao volante do primeiro automóvel eléctrico da Nissan. “A baixa velocidade, ajuda a alertar os peões da proximidade de um veículo. Se não fosse assim, eram apanhados de surpresa”.

Com ou sem altifalante, quem quer que se sente no lugar do condutor do Leaf será sempre apanhado de surpresa. Não pela quantidade de comandos novos, pois nos dias que correm quase todos os novos modelos inventam qualquer coisa original. Não pela ausência da caixa de velocidades ou do pedal da embraiagem, pois esse ambiente até é comum nos carros de caixa automática. Mas por começarmos a andar sem accionar o motor de arranque: estando o “interruptor” ligado, basta acelerar que o motor se põe logo em movimento. Tão simples que até chateia.

Depois, mal iniciámos a primeira experiência ao volante deste modelo que deverá começar a circular em Portugal lá mais para o final do ano, reparámos que tudo no ambiente, nos comandos e nos ecrãs está preparado para um tipo de utilização diferente daquela a que estamos habituados. A prioridade em todos os indicadores vai para a margem de autonomia, pois esta é, e deverá continuar a ser, o principal handicap dos automóveis eléctricos. Mesmo tendo utilizado todo o espaço disponível debaixo do chão do Leaf e ainda uma parte do portabagagens para colocar baterias de alto rendimento, a Nissan não conseguiu que este modelo circule mais de 140, 150 quilómetros sem ter de parar para recarregar. Pior: se o ligarmos à tomada em casa, conseguimos carregar completamente as baterias, mas são uma meia dúzia de horas; se pararmos num posto de carga rápida, como os que estão a ser instalados em Portugal, não só não “atestaremos” as baterias como teremos de despender bastante mais tempo do que o que leva a encher um depósito de gasolina.

Com uma autonomia tão reduzida que nem chega para ir de Lisboa ao Algarve, ou para ir e vir a Évora com uma tranquilidade que a necessidade de um carregamento rápido não dá, o Leaf é, antes do mais, um veículo para o casa-trabalho trabalho-casa das áreas metropolitanas, e, mesmo assim, tendo sempre atenção à carga da bateria. Até porque o consumo deste modelo é muito sensível ao ritmo da viagem (há um modo económico que prolonga a vida das baterias, mas torna o Leaf numa arrastadeira…) e a detalhes como a climatização. No Inverno, é melhor guiar de luvas e sobretudo, porque aquecer o interior do veículo tira umas dezenas de quilómetros à sua autonomia.

Habituados ao ambiente do Leaf e acostumados a conduzir um carro de caixa automática, fomos dar uma volta a ver como se comportava este novo Nissan. Conduzimos com cuidado – na altura, havia três protótipos a circular em todo o mundo… – mas sem deixar de procurar perceber se o Leaf era capaz de se comportar na cidade e na estrada como um verdadeiro automóvel. A resposta não nos surpreendeu: o Leaf é bem melhor nos circuitos urbanos, onde é muito confortável e simpático de conduzir, do que na estrada ou na auto-estrada, onde lhe notámos alguma falta de energia. Bom no pára-arranca, tem a velocidade máxima limitada a pouco mais de 140 km/h e não é muito ágil nas ultrapassagens. Em contrapartida, é muito estável e pareceu-nos confortável q.b..

Os futuros proprietários do Leaf terão de desembolsar perto de 30 mil euros – já com o bónus dado pelo Governo português –, e só pouparão uns 600 euros por ano em combustível. Fará este modelo tão bem ao ambiente que compense a perda de autonomia e um preço que não é assim tão baixo? Olhando para as enormes letras que anunciam “emissões zero”, diríamos que sim, só que as emissões não são tão inexistentes como isso. Fomos à procura de medir a “pegada de carbono” do Leaf, isto é, quais as emissões de CO2 associadas a cada quilómetro que façamos ao seu volante.

Para calcular o valor, necessitávamos de conhecer a “pegada de carbono” associada quer à construção do Leaf, quer ao seu consumo de energia eléctrica. Não conseguimos encontrar contas para a pegada do Leaf, mas não é difícil estimar que, para o construir, se tenha emitido sensivelmente o mesmo número de toneladas de CO2 que num veículo semelhante (o Leaf está no segmento do Golf, por exemplo), talvez mesmo um pouco mais: o que se terá poupado no motor eléctrico, menos complexo do que um motor tradicional, não deverá compensar o que se terá gasto na produção das baterias. Ou seja, por aqui não íamos lá.

Após consultarmos várias fontes, chegámos a um valor razoável para as emissões de CO2 por cada quilómetro percorrido num modelo equivalente ao Leaf, mas a gasóleo: entre 110 e 130 gramas. Talvez mesmo um pouco mais.

Mas se as emissões dos modelos a motor de combustão interna até já vêm nos catálogos, como calcular as emissões associadas à produção da energia eléctrica utilizada para fazer andar o Leaf? Primeiro é preciso saber de quantos kilowatts/hora (kWh) necessita um Leaf para percorrer um quilómetro. Isso foi fácil: bastou dividir a carga da bateria pelo número de quilómetros que esta permite percorrer, e o resultado foi 0,2 kWh. Depois fomos saber qual a pegada associada a cada kWh, sabendo que esta varia muito conforme a electricidade é produzida em barragens ou torres de vento (entre os cinco e os 10gCO2eq/ kWh) ou em centrais térmicas (entre 500 e 750gCO2eq/kWh). Tendo em consideração o mix português, calculámos as emissões associadas à produção de cada kWh de electricidade se situasse em redor de 250 gramas de CO2. Isto significa que, para circular em Portugal, o Leaf consome à volta de 50 gramas de CO2, entre metade e um terço do que um modelo equivalente a diesel bem poupadinho.

Ou seja: andar de automóvel eléctrico não evita apenas as emissões que poluem as nossas cidades, também se traduz numa redução substancial das emissões de CO2 associadas à circulação automóvel. Isto, claro, se a energia eléctrica que os abastece for de fontes renováveis. Porque se vier toda de centrais térmicas, a vantagem anula-se ou, como já assinalou a Quercus, pode-se chegar ao ponto de gerar um aumento das emissões de CO2. Talvez por isso tenha saído do Leaf com uma sensação estranha. Por um lado, a de que experimentara um carro do futuro; por outro, a de que o verdadeiro futuro ainda está muito longe. Mas que talvez lá cheguemos por pequenos passos...

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