Zeinal Bava: Não pedimos desculpas por ter ambição

Para muitos, ele é um dos melhores financeiros do mundo. Para outros, falta-lhe visão estratégica. No furacão da tentativa de compra da PT pela Telefónica, todos os olhares se voltam para Zeinal Abedin Mohamed Bava. E ninguém lhe é indiferente. Ambicioso, pragmático, imparável.

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Zeinal Bava no dia da assembleia da Pt em que foi usada a Golden Share Miguel Manso

Os vendedores das lojas de telemóveis, que funcionam no andar térreo da sede da Portugal Telecom (PT), em Lisboa, sabem que o dia do CEO da única empresa portuguesa cotada em Wall Street pode começar por ali. Ele chega cedo depois de deixar o filho na escola, passa, pára e reclama se algo não estiver em ordem. Um destes dias, quando viu que os telemóveis mais caros estavam com mais destaque na montra mandou trocar a ordem (“Será que não vêem as notícias? Não sabem da crise?” — ouviram-no dizer.) Os colaboradores mais próximos já se acostumaram. Já ouviram muitas vezes do presidente executivo da PT o segredo para o sucesso: “É bem sucedido quem erra menos.”

Este é só o começo do dia, que em geral se estende por 14 horas de trabalho (mas que, nos últimos tempos, admitem colaboradores, tem sido ainda mais longo), de Zeinal Bava. Aos 44 anos, o CEO que tem fama de frugal e informal (os almoços de trabalho na PT são à base de sushi e refrescos) sai muita vezes do gabinete do 11.º andar com trabalho de casa na mochila e não tolera que os colaboradores não façam o “seu homework”. Os mesmos colaboradores já se acostumaram a receber sms do patrão durante a madrugada e a ver o chefe coordenar várias reuniões ao mesmo tempo. “Nunca conheci um gestor como o Zeinal Bava” — afirma José Tribolet, professor catedrático do Instituto Superior Técnico e vogal do conselho consultivo da PT. “Zeinal Bava consegue apresentar assuntos complexos com muita clareza.” E brinca: “Parece que usa pilhas Duracell, nunca pára.”

No dia 8 de Março deste ano, quem passasse à porta da sede da empresa nas Picoas via um Zeinal Bava sorridente a distribuir flores às funcionárias. Em Abril, na televisão, via-se um Zeinal Bava na comissão de inquérito, tranquilo, a falar da polémica tentativa de compra de cerca de 30 por cento do canal televisivo TVI. Mas este caso não lhe correu bem, ele próprio reconheceu ter saído “vacinado”.

A tentativa de entrada no capital da TVI ganha contornos políticos porque acontece numa altura em que era evidente e assumido o desagrado do primeiro-ministro, José Sócrates, face aos telejornais dessa estação, em especial o de sexta-feira. Sendo o Estado accionista da PT, a operação, que foi justificada por Zeinal Bava pelo acesso aos conteúdos, não convenceu muita gente.

Quem o escutou dentro do Parlamento diz que os deputados às vezes nem sempre conseguiam acompanhar o speed do CEO da PT, “sempre com expressões em inglês, sem perder o profissionalismo e a compostura”. Ainda estava por vir o furacão provocado pela oferta de compra da PT pela Telefónica, desta vez uma batalha internacional para um dos CEO mais jovens de Portugal.

Mas, apesar da presença quase diária nos jornais e das entrevistas à TV, pouca gente pode dizer que conhece bem Zeinal Bava. Discreto, aceita poucos convites para eventos sociais e mantém a família longe dos holofotes. Dos seus gostos, o que se sabe é que gosta música e que o compositor que ouve no iPod em tempos mais duros como os de agora é o ícone do reggae Bob Marley.

De Moçambique para o mundo
Zeinal Abedin Mohamed Bava nasceu em 18 de Novembro de 1965 em Maputo, Moçambique. A família, de origem muçulmana sunita, deixara a Índia rumo à ex-colónia portuguesa em 1890. Os pais dedicavam-se ao comércio, em Lourenço Marques. Aos dez anos de idade, junto com os pais e a irmã, faz o caminho que muitos portugueses conhecem: o dos retornados das ex-colónias. Em Portugal, o pai criou uma pequena fábrica de mobiliário. O rapaz é confrontado, no Liceu Camões, com a possibilidade de ficar um nível abaixo da escolaridade feita em Moçambique e — segundo pessoas próximas — não se conforma. Bava sempre soube o que queria. Pede aos pais para estudar na St. Julian’s, em Carcavelos, uma das escolas mais prestigiadas e caras da região de Lisboa. Opção que lhe abriria as portas para o ensino em Inglaterra. É tão determinado que, para não ficar atrás na língua inglesa, recorre a uma explicadora particular antes de entrar na escola. Aos 14 anos, já estava a estudar na Inglaterra. Quem o incentivou? A mãe, Banu Bava, não tem dúvidas: ele próprio.

Dois tios a viver no Reino Unido também ajudaram a dar um pouco de segurança ao adolescente Zeinal. Em Inglaterra, vai para um colégio interno, o Concord College. Queria ser médico mas acaba por fazer licenciatura em Engenharia Electrónica e Electrotécnica, na University College London. Quem o conhece diz que mais uma vez foi uma decisão pragmática do jovem Bava. Consultou um dos professores que lhe disse que os computadores seriam o futuro e lhe garantiriam rápido acesso ao mercado de trabalho.

Sempre de um lado para outro (morou a maior parte dos seus 44 anos no estrangeiro), o primeiro emprego foi na consultora Arthur Andersen, na programação de sistemas, área de que não gostou e terá apressado a sua entrada na banca de investimento, através do Efisa, na altura ainda agência de investimento e fundada pelo banqueiro Abdul Vakil. Segue para o Warburg Dillon Read, que era accionista da Efisa, por um período de seis meses, que acaba por prolongar, não regressando a Lisboa tão cedo. Passa pelo Deutsche Morgan Grenfell e pela Merril Lynch nos fins da década de 1990, numa altura em que estas instituições prestam apoio às privatizações que estão a acontecer em Portugal, como a Brisa e a PT, a que o gestor português fica associado.

O homem PT
Zeinal Bava chega a CEO da PT em 2008, tornando-se no presidente executivo mais jovem dos operadores históricos europeus. Antes da subida a CEO, tinha sido CFO (responsável financeiro) da PT. A carreira na empresa começara em 1999, quando entra para o grupo PT. Veio a convite de Murteira Nabo para a PT em fase de privatização e que precisava de gente nova e conhecedora dos mercados. “Nesta matéria ele era de facto muito bom”, recorda à Pública o antigo presidente da Portugal Telecom. Murteira Nabo ressalta ainda “a bagagem muito diversificada” e “o perfil muito completo”.

Em 2005, já era CEO da operadora de telemóveis TMN. Passou por praticamente todas as áreas de negócio, o que lhe dá um conhecimento total da empresa, qualidade muito apreciada pelos analistas que acompanham a PT. São estes mesmos analistas, de 149 casas de investimento, que lhe atribuem três prémios anuais de melhor director financeiro, CFO de empresas de telecomunicações e o prémio de melhor CEO, este ano.

Tem fama de controlador. Mas não tem problemas com isso. Tem fama de ambicioso. Mas também não tem problemas com isso. Já disse em reuniões que: “Não pedimos desculpas por ter ambição, pedimos desculpas quando falhamos.” Rodeia-se de quem confia. Manuel Rosa da Silva (director executivo do conselho de administração) e Luís Pacheco de Melo (administrador financeiro) são apontados como braços direito e esquerdo do gestor.

No seu percurso ascendente, é referido frequentemente que foi “sacrificando” alguns gestores, incentivando reformas e outras saídas. Bava costuma repudiar esta acusação, enumerando casos de gestores que já estavam na empresa e que hoje ocupam lugar de destaque. Dizem os mais próximos que fica irritado com a acusação de que deu emprego a filhos de ex-ministros, de vários quadrantes políticos. E costuma argumentar que a acusação é injusta, já que em alguns casos os pais só chegaram a ministros depois de os filhos terem entrado na PT. O certo é que mesmo os que não gostam de Zeinal Bava admitem que ele se rodeia de profissionais competentes.

E todos, não só os colaboradores mais próximos, sabem bem quais os seus objectivos. Na apresentação dos negócios da PT, como o Meo (serviços de televisão) ou a fibra óptica, o “vendedor” Zeinal explode. Mesmo quando não vem a propósito, ele arranja maneira de evidenciar as potencialidades destes serviços e de enumerar os cinco grandes objectivos da empresa. Ter mais de 100 milhões de clientes, dois terços fora de Portugal, a liderança da Meo no mercado em 2011, etc... A paixão com que fala da PT e o ir e vir do português para o inglês são marca registada. Na PT, Zeinal Bava fala dos “seus rapazes” quando se refere aos 150 team leaders. Para muitos, o rapaz que cresceu sem amigos tem hoje na PT como amigos os colegas dos últimos onze anos na empresa.

Família acima de tudo
Mas, mesmo para um homem pragmático, a decisão de estabelecer a família em Portugal (a mulher, Fátima Bava — portuguesa, católica, filha de um empresário da construção civil, de Sesimbra —, e os três filhos, rapazes com 10, 13 e 15 anos) também teve que ver com a vontade de que os filhos crescessem numa sociedade mais tolerante e que tivessem o que o jovem Zeinal Bava não teve: lista de amigos. O filho mais velho do gestor estuda numa escola pública e os mais novos num colégio católico. Zeinal Bava frequenta a mesquita. A família é com quem passa todo o tempo que não está a trabalhar. Leva os filhos à escola, ao surf, a Páscoa é sempre no Brasil com todos eles. Na praia, a surfar com os filhos. O mais novo gosta tanto da Baía que já pediu ao pai “para virar brasileiro e baiano”.

É justamente a dedicação à família que destaca, em declarações à Pública, o presidente da PT, Henrique Granadeiro, para “além da competência e invulgar capacidade de trabalho”. “Zeinal Bava é um dos quadros mais bem pagos do país, mas tem preocupação de evitar que os filhos se deslumbrem com as coisas que o pai pode comprar, dizendo-lhes que eles, mais tarde, podem não ter a mesma disponibilidade financeira do pai.” Aos filhos só lhes impõe uma condição: não importa que profissão escolham no futuro, desde que estejam sempre entre os três melhores. A mãe, Banu Bava, resume a relação com o gestor: “É um bom filho mas tem pouco tempo.”

Quando não está em negociações ou com a família, Zeinal Bava vai à universidade e apoia obras sociais. Em palestras a alunos, repete o seu mantra: “Quem é bem sucedido é quem comete menos erros” e “as pessoas não devem ter medo de errar”. Para ele, é na universidade que a capacidade intelectual é testada ao máximo. Não é raro que nestas palestras identifique potenciais quadros para a PT.

O padre Vítor Feytor Pinto conhece o outro lado do gestor. O lado “mais humano” e a preocupação social. Além de doar dinheiro e equipamentos, há uma preocupação que também se destaca para os colaboradores da empresa, com especial relevo para as bolsas de estudo para filhos de funcionários. “Um exemplo que gostava de ver replicado noutras empresas” — diz Feytor Pinto à Pública.

Furacão Telefónica
Tempo é algo que vê extinguir-se a cada minuto em negociações com a Telefónica, desde que começou a ofensiva da empresa espanhola para comprar a posição da PT na Vivo (operador móvel brasileiro). À saída da última assembleia geral da PT, Zeinal Bava não conseguiu disfarçar um semblante mais carregado que o habitual, sem o sorriso que parece ser a sua marca. A administração da empresa, de que ele faz parte, tinha transmitido aos investidores, incluindo estrangeiros, que a golden share não podia ser utilizada. Exactamente o contrário do que aconteceu. Para António Caçorino, que acaba de criar um banco de investimento e que o conheceu quando ele era CFO da PT internacional, Zeinal Bava é um dos melhores financeiros do mundo, mas, no caso da Vivo, “acreditou, de uma forma demasiado ingénua, na coexistência das duas empresas”, quando a Telefónica já tinha mostrado, na oferta pública de aquisição (OPA) lançada pela Sonaecom (proprietária do PÚBLICO), que estava ao lado do grupo da Maia e que compraria a posição da PT na Vivo se a operação tivesse sucesso.

Alguns ex-quadros da PT e outros gestores fora da empresa defendem, mas sob anonimato, que a ofensiva da Telefónica era previsível e que Zeinal Bava revelou falta de visão estratégica, uma falha extensível a toda a administração da PT e a boa parte dos seus accionistas. Lembram que, para defender a PT da OPA da Sonae, Baval, na altura administrador financeiro, foi brilhante, prometendo a distribuição de 6,5 mil milhões de euros em dividendo (dinheiro entregue aos accionistas). Cumpriu, mas para isso teve de se endividar, vender empresas e, por causa disso, não investiu no Brasil e noutras geografias, através da assunção de posições de controlo que garantissem hoje, à PT, uma dimensão muito maior.

João Duque, presidente do ISEG, não compartilha desta opinião. Define-o como “um brilhante negociador”, lembrando que na actual ofensiva da Telefónica “conseguiu, em poucos dias, valorizar a participação da PT na Vivo em mais 1,4 mil milhões de euros, criando uma oportunidade de ouro para os accionistas”.

Nesta última semana, os vendedores das lojas TMN estão a ver menos o presidente executivo do que o costume. Mas os sms de madrugada não terminaram. Se “ter sucesso é errar menos”, os próximos dias, meses, podem ser decisivos para revelar se Bava cometeu erros estratégicos — fatais ou não. Quem trabalha na PT tem uma certeza: “Aos 44 anos é raro encontrar um CEO que já tenha vivido tudo o que ele já viveu.”

Notícia publicada na Pública, 18-07-2010

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