Portugal aproveita os holofotes sobre os museus de arte contemporânea em Roma

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Quasi é a instalação inspirada em Mário de Sá-Carneiro que João Louro inaugura hoje na Embaixada DR

Vai deixar de haver José Mourinho, “o verdadeiro artista contemporâneo, no sentido warholiano do termo”, diz Paulo Cunha e Silva, conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Roma, referindo-se à mestria com que o futuro ex-treinador do Inter de Milão gere a sua “obra” e a exposição da sua figura na sociedade do espectáculo dos nossos dias, e em especial em Itália. Mas vai continuar a haver arte portuguesa em terras transalpinas.

Num calendário habitualmente bem preenchido com arte e cultura portuguesas, esta semana vai contar com uma representação reforçada, com a inauguração de exposições de artistas como João Louro, Albuquerque Mendes, Pedro Cabrita Reis, Manuel Casimiro e Miguel Ribeiro.

“É uma aposta estratégica, já que até ao fim-de-semana Roma vai ser a capital mundial da arte contemporânea”, justifica Paulo Cunha e Silva. Refere-se não apenas à realização da 3ª Feira de Arte de Roma (de amanhã a domingo) como, principalmente, àquele que é um dos acontecimentos mais aguardados em Itália, a inauguração, na sexta-feira, do novo Maxxi (Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo), projectado pela iraquiana Zaha Hadid (ver P2 de 7/12/2009), primeira mulher a conquistar o Pritzker (recebeu o “Nobel” da arquitectura em 2004), a que se associa também a apresentação pública da renovação de outro grande museu de arte contemporânea da capital – o Museu de Arte Contemporânea de Roma (Macro) –, segundo desenho da arquitecta francesa Odile Decq.

A arte portuguesa não poderia ter holofotes mais brilhantes para a sua “embaixada italiana”. É a esse desafio que, já a partir de hoje, respondem sucessivamente João Louro e Albuquerque Mendes. Mas, nas semanas seguintes, por toda a Itália, vai haver exposições de André Cepêda e Miguel Ribeiro, poesia de valter hugo mãe, cinema de Manoel de Oliveira, António-Pedro Vasconcelos e Vasco Araújo, e… também “lições” de arquitectura portuguesa, de Álvaro Siza Vieira a Eduardo Souto Moura.

A caminho do Macro

O primeiro artista a entrar em cena é João Louro, em dois momentos: hoje, inaugura no jardim da Embaixada Portuguesa a peça "Quasi", tradução e encenação do poema de Mário Sá-Carneiro – “Um pouco mais de sol, eu era brasa…” –, em mais um capítulo da série "Dead End". Os versos transformam-se em sinalética rodoviária apontando, a quem passa na rua frente ao "Território Neutro" (título do projecto) da Embaixada, a direcção do Macro. É aqui que, amanhã, o artista inaugura a exposição "My Dark Places".

João Louro antecipa ao P2 que vai apresentar uma nova série de trabalhos do seu projecto "Blind Images", correspondendo ao desafio que lhe foi lançado pelo director do Macro, Luca Massimo Barbero. “Depois de ter visto a minha exposição na Bienal de Veneza (2005), Luca propôs-me transportar para Roma o mesmo imaginário de "Blind Images"”, diz o artista, que desta vez decidiu abordar os “universos sórdidos” entre o "Marquês de Sade" e o escritor norte-americano James Elroy (autor de "L.A. Confidential" e "A Dália Negra").

Na sexta-feira, é a vez de Albuquerque Mendes entrar num território que lhe é duplamente familiar: por um lado o espaço da sua intervenção é a Igreja de Santo António dos Portugueses, e, por outro, recupera uma temática recorrente na sua obra. Intitulada "A Criação", a sua instalação faz como que o "making of" do filme dos trabalhos de Deus durante os sete dias em que criou o mundo.

“Quando visitei Roma para preparar o meu trabalho, entrei nesta igreja – um edifício do século XVI marcado pelo barroco português – e percebi que tinha de ser ali, e teria que ver com "A Criação"”, diz o autor de "Via Sacra". Numa sucessão de sete caixas-confessionário, Mendes confronta o visitante (um de cada vez) com o processo descrito no Livro do Genesis. E se a temática religiosa é uma constante nas criações do pintor, a intervenção em espaços sagrados também não é inédita. “Pintei uma capela no Minho, em Ponte de Lima”, diz o artista, que já expôs também na Igreja de S. Francisco, no Porto. “São dois mil anos de história; o catolicismo é incontornável”, justifica Albuquerque Mendes.

Também no dia 28, uma obra de Pedro Cabrita Reis, pertencente ao acervo do Maxxi, integrará a exposição inaugural, Spazi.

A 4 de Junho, Miguel Ribeiro, médico-fotógrafo, encena(-se) de novo na série "Corpo Abstracto", na Galeria IPSAR. “O corpo, dada a sua formidável versatilidade e poder expressivo, é um tema inesgotável ao qual acabarei sempre por regressar”, escreve o autor na apresentação da exposição em que retoma um trabalho iniciado em 2000.

Museus e metros

No fim-de-semana seguinte, chegam Álvaro Siza Vieira, Carlos Castanheira e Eduardo Souto Moura, convidados para a Festa da Arquitectura de Roma (9 a 12 de Junho). O arquitecto do Museu de Serralves terá honras de convidado especial na sessão inaugural, onde se espera que fale da arquitectura de museus. No dia 10, Eduardo Souto Moura testemunhará sobre o seu trabalho para os metros do Porto e de Nápoles.

Ainda em Roma, a 30 de Junho, o escritor valter hugo mae e o fotógrafo André Cepêda são convidados a abordar a situação actual da Europa nas instalações da Academia Espanhola: o primeiro escreveu o poema o paradigma da solidão portuguesa para dialogar com uma fotografia que Cepêda registou em Bruxelas.

Fora da capital, continuará a haver arte portuguesa no país de Berlusconi. Manuel Casimiro é um dos convidados do projecto "One Minute Tree", uma instalação num jardim em Bassano Romano (30 de Maio), parte do programa "Nature and Art Projects", em que intervém também o realizador iraniano Abbas Kiarostami, com um vídeo feito em colaboração com Elisa Resegotti (comissária da exposição "Mitos Portugueses", de Casimiro, em Bari, 2006).

Na mesma cidade haverá também, no final de Junho, obras de Rui Chafes, enquanto Carlos Bunga estará, antes, na Bienal de Escultura de Carrara.

De regresso à capital, Vasco Araújo participa numa residência sobre a arquitectura fascista, fazendo num vídeo (texto de André Teodósio) o paralelismo entre Lisboa e Roma, a partir do livro de Gore Vidal, "Império".

Pelo meio, o cinema português estará representado nos Encontros de Stresa (junto ao lago Maggiore, no norte). Manoel de Oliveira verá a sua carreira distinguida com um prémio especial, e exibirá "Singularidades de uma Rapariga Loira". Passarão também "Aquele Querido Mês de Agosto", de Miguel Gomes; "A Corte do Norte", de João Botelho; e "Call Girl", de António-Pedro Vasconcelos.

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