Andam à procura de um preço para a biodiversidade

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Planície ocupada por cereais em Castro Verde Pedro Cunha

Quanto vale uma espécie? A resposta não é fácil. Medir o valor económico e monetário dos serviços que a natureza fornece ao homem é um desafio global. Em Portugal, sabe-se que cada cidadão está disposto a dar 30 euros do seu bolso para preservar a estepe cerealífera de Castro Verde.

Uma das crias do lince-ibérico morreu há dias, mas não é razão para desanimar. O projecto de recuperação desta espécie em Portugal continua a trazer mais benefícios do que custos à sociedade portuguesa – disso não têm dúvidas os investigadores ligados à protecção da biodiversidade, mesmo reconhecendo que não há um valor económico imediato para o definir.

Na luta contra as alterações climáticas e os gases com efeito de estufa, tudo é medido em toneladas de CO2 e com um valor de mercado. Na Europa, no passado dia 16, valia 14 euros a tonelada. Na biodiversidade, a métrica não encaixa: uma tonelada de quê? A que preço?

Uma primeira medida vem do valor que a sociedade atribui ao lince, por exemplo, com os fundos dados às organizações não-governamentais (ONG) que defendem a sua preservação. “Trabalham com milhões de euros que alguém voluntariamente lhes deu, logo, é uma prova do seu valor”, afi rma José Lima Santos, professor no Instituto Superior de Agronomia e responsável pela área de Economia, Política e Sociologia do Ambiente.

Os fundos das ONG são “uma boa estimativa do valor que a sociedade decidiu gastar com o lince”, afi rma também Tiago Domingos, investigador no IN+, Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico, onde é também professor.

Esses fundos estão longe de definir o valor económico da preservação desta espécie, que será superior a isso. Mas a difi culdade em se chegar a um número mais consistente é quase universal. A natureza presta ao homem uma multiplicidade de serviços que lhe sustentam a vida e dão bemestar. Mas como são públicos, sem mercados e sem preços, “raramente são detectados pela bússola económica a que estamos habituados”, explica um relatóriomarco da União Europeia sobre a economia dos ecossistemas e da biodiversidade, liderado pelo economista Pavan Sukhdev.

Em Portugal, são vários os serviços que os ecossistemas (plantas, animais e microrganismos) prestam: produção de alimento, água, madeira e cortiça; protecção do solo; regulação da qualidade da água e do ciclo hidrológico; sequestro do carbono; valor estético e cultural da paisagem; recreio e turismo. A natureza assegura-os diariamente sem que os consumidores tenham a noção do seu valor económico ou a tenham muito parcialmente com os alimentos e o sequestro de carbono.

Por isso, à falta de métodos directos de valorização de bens e serviços que o homem toma como grátis, como a clássica luz do farol ou o teorema de Pitágoras, os investigadores têm desenvolvido métodos de aproximação. Um deles é perguntar às pessoas quanto estão dispostas a pagar. Não são conhecidos estudos destes para o lince-ibérico, mas já foram aplicados em outras áreas com resultados que surpreendem, como aconteceu em Castro Verde.

Cada português está disposto a pagar, em média, 30,4 euros do seu bolso para preservar a estepe cerealífera de Castro Verde e dar alimento a várias espécies de aves protegidas, concluiu Cristina Marta-Pedroso na sua tese de doutoramento, após um inquérito de 2005 a um grupo representativo da sociedade portuguesa e com métodos considerados inovadores, nomeadamente o uso de Internet. À falta de uma medida e de um preço de mercado que defi nam este projecto de protecção de biodiversidade, os 30,4 euros são quanto as pessoas se dispõem a pagar pelo bem-estar que a estepe cerealífera proporciona, em detrimento de outras alternativas.

“São métodos validados. Se os pressupostos forem correctamente aplicados, as estimativas são fi áveis”, afirma a investigadora do Politécnico de Bragança.

Com investigação posterior, Cristina Marta-Pedroso mostrou que o donativo de 30,4 euros, convertido numa anuidade constante a 40 anos, dava 446 euros por hectare por ano – ou seja, é mais do que os 89 a 160 euros anuais de custos da erosão do solo, perda de nutrientes, preservação de espécies e identidade da paisagem. Significa que a sociedade tem um benefício líquido de 286 a 357 euros por hectare/ano com este projecto: ganha entre o dobro e o triplo do que gasta com ele.

Com um balanço positivo, a decisão pública vai no interesse da sociedade, de acordo com a teoria económica. Mas neste caso o interesse público até nem é linear, dado que a protecção da fauna estepária de Castro Verde implica uma prática agrícola que erode o solo. Ainda assim, os benefícios são superiores ao custo de não fazer e a introdução de práticas inovadoras sustentáveis nas sementeiras pode impulsionar ainda mais os ganhos. É o que defende Tiago Domingos, para quem a inovação é uma parcela da solução mais importante do que parece nos problemas da biodiversidade.

Quanto a Marta-Pedroso, está convicta de que a zona, com características únicas, “tem potencial para desenvolver uma agricultura sustentável”.

O método empírico tanto serve em Castro Verde como nas fl orestas do estado norte-americano do Wyoming e da Noruega e no deserto do Colorado. Estudos pioneiros na década de 1980 “descobriram” o valor económico que os caçadores davam à existência ameaçada do urso-pardo e das ovelhas Bighorn, que os norte-americanos davam à preservação do Grand Canyon e que os noruegueses atribuíam às chuvas ácidas. As pessoas estavam muito mais dispostas a pagar pela conservação dos bens ambientais do que se imaginava e a aceitarem impostos signifi cativos para o efeito, como as 800 coroas norueguesas anuais per capita para combater as chuvas ácidas.

Contudo, apesar dos anos passados e dos estudos feitos, permaneceram as difi culdades em determinar o valor económico dos ecossistemas e em mobilizar as sociedades para o efeito.

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