The Knife

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Quem entrar em "Tomorrow, In An Year" à espera de reconhecer as vozes inumanas, a electrónica glacial e a realidade pós-pop, pós-tecno e pós-industrial erguida no álbum "Silent Shout" (2006) pelos irmãos suecos Olof e Karin Dreijer, sairá inevitavelmente defraudado da experiência.

Este não é o sucessor desse fabuloso álbum, nem da experiência solitária de Karin, o ano passado, com a designação Fever Ray. É outra coisa. Um projecto especial, que começou num convite endereçado pelo grupo dinamarquês de teatro experimental Hotel Pro Forma, que desafiou Olof e Karin a criar uma ópera contemporânea, inspirada na vida e obra de Darwin. Criada em colaboração com Mt. Sims e Planningtorock - a que se juntaram três vozes convidadas, a mezzo soprano Kristina Wahlin Momme, a actriz Laerke Bo Winther e Jonathan Johansson - a ópera foi estreada em Setembro. Surge agora, a música, mais de 90 minutos, em formato CD-duplo. Os suecos sempre se afirmaram como algo mais do que mero projecto musical, uma experiência total com um esqueleto de ideias e um imaginário visual próprios. Estão com um pé na cultura pop, no sentido de lhes interessar expor ideias sedutoras, mas ao mesmo tempo já estão noutra dimensão, onde o processo é tão importante como o resultado final. O primeiro CD é mais desconcertante, sucessão de temas marcados por sons da natureza, ambientes claustrofóbicos, vozes enigmáticas, investigação sónica que não cria muitas pontes com o ouvinte, num primeiro momento, para de seguida nos deixar entrever clarões, placidez, ruídos, gelo e ardor. O segundo CD aproxima-se mais de algumas formas reconhecíveis na música dos The Knife: ritmos obsessivos em câmara lenta, sugestões plásticas metalizadas, ambientes neuróticos, estranhas vozes vindas não se sabe bem de onde, qualquer coisa onde coexistem impulsos maquinais e um torpor humano, tão fascinante quanto inquietante. É daqueles discos que, no mundo pop, normalmente pelas piores razões, costuma ser mais debatido do que ouvido, mais admirado do que amado. Não é obra para se ouvir em fundo, exige que mergulhemos nela, como quem olha e ouve uma ópera, não com esperança de compreender, mas de sentir.

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