Vai o Irão ceder o seu "maior trunfo estratégico"?

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Inicialmente, o embaixador do Irão na AIEA, Ali Asghar Solnaieh, queria excluir a França deste processo Herwig Prammer/Reuters

O Irão terá de responder até amanhã a uma proposta da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) que prevê a saída do país de 75 por cento do stock de urânio pouco enriquecido (LEU, na sigla inglesa) - o seu "maior trunfo estratégico", segundo o diário britânico "The Guardian".

O objectivo será enriquecer na Rússia, até 19,75 por cento, cerca de 1200 dos 1500 quilos de LEU, e transformá-lo em barras de combustível em França, para manter a funcionar um reactor em Teerão que produz isótopos para o tratamento de vários tipos de cancro. Se o Irão abdicar de três quartos da sua reserva de LEU será mais difícil o fabrico de uma bomba atómica. Uma tonelada é a quantidade necessária para enriquecer urânio a 90 por cento e produzir a bomba.

Será uma "vitória, ainda que temporária", para o Presidente Barack Obama, reconhece o analista irano-israelita Meir Javedanfar. Falta saber se o Irão vai continuar a enriquecer urânio no seu território, o que a ONU considera ilegal, e qual vai ser a cooperação com os inspectores da AIEA. "Para já, Obama ganhou 13 meses de descanso", o tempo que irá durar o processo Moscovo-Paris-Teerão.

A proposta foi apresentada ontem ao Irão, aos Estados Unidos, à França e à Rússia, depois de dois dias de agitadas negociações em Viena. Se for aceite, terá sido dado o que o director da AIEA, Mohamed ElBaradei, descreveu como um passo para "a normalização das relações entre o Irão e a comunidade internacional".

Na capital austríaca, a delegação iraniana, que se ausentou várias vezes da sala para receber instruções por telefone de Teerão, não tinha autoridade para assinar um acordo. ElBaradei reconheceu as dificuldades, justificando-as com a "complexidade de questões políticas, legais e técnicas", mas também com "questões de confiança" entre as partes.

O aviso de Clinton

Inicialmente, o embaixador do Irão na AIEA, Ali Asghar Solnaieh, queria excluir a França deste processo - a posição dura do Presidente Nicolas Sarkozy não agrada ao regime dos mullah -, mas ElBaradei terá encontrado uma maneira de evitar contactos directos entre Teerão e Paris. O urânio iraniano será enviado primeiro para a AIEA que o fará seguir para a Rússia. Depois de enriquecido aqui, e outra vez por intermédio da AIEA, será reencaminhado para França, que tem a tecnologia para o transformar em barras de combustível.

"A França anunciou que está disposta a fazer parte de um contrato", admitiu Solnaieh. "Mas (...) os russos serão responsáveis pelo pacote inteiro." Isto se os líderes iranianos, que tratam o seu programa nuclear como um direito de soberania nacional, aceitarem a proposta da AIEA, o que não é ainda uma certeza.

"O Governo iraniano não é conhecido pela rapidez de decisões", escreve Julian Borger no "Guardian". "Agora tem dois dias para fazer uma das escolhas mais críticas dos últimos anos, e a que vai determinar o rumo desta longa crise sobre o enriquecimento de urânio. Será difícil vacilar."

O negociador francês Jacques Audibert disse à AFP que a resposta de Paris será positiva: o projecto, com as quantidades e os prazos certos, "convém a todos".

Em Washington, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, declarou: "Se o Irão tomar medidas práticas que dissipem os receios da comunidade internacional sobre o seu programa nuclear, vamos continuar a envolver-nos, multilateral e bilateralmente, para discutir todo o tipo de questões que há muito tempo dividem o Irão e os EUA. A porta está aberta a um futuro melhor para o Irão. [Mas] não estamos dispostos a falar só por falar".

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