Compostagem já chegou a mais de duas mil casas do Grande Porto

Vontade, espaço no jardim e lixo orgânico. Com estes três ingredientes, 2600 habitantes do Grande Porto estão a dar o passo seguinte para esse objectivo nacional de reduzir os resíduos que cada um produz. Não depositam todos os detritos nos contentores e transformam parte deles em composto orgânico, utilizável como adubo natural no respectivo jardim. As plantas, o ambiente e a Lipor, que assim vê diminuir a pressão sobre a capacidade de armazenamento do seu aterro sanitário, agradecem.

Há cerca de um ano e meio, Gustavo Ramos resolveu entrar no programa de compostagem caseira que a Lipor desenvolve. "Como tenho um pequeno terreno com plantação de legumes e um jardim, decidi experimentar", explica este morador em Rio Tinto. , uma das 2600 pessoas que faz compostagem no Grande Porto. Criado em 2007, o Terra-a-Terra é um projecto pioneiro a nível nacional de compostagem doméstica que oferece um curso prático de três horas, findo o qual os formandos recebem um compostor. Inicialmente, apenas o concelho da Maia era abrangido; hoje são oito os municípios da Lipor que o acolhem, num total de "2082 compostores caseiros em funcionamento", revela Ana Lopes, responsável pelo projecto.

"Há quem queira passar o tempo e fazer exercício físico mas também aqueles que se interessam por agricultura biológica", explica a coordenadora do Departamento de Valorização Orgânica da Lipor, Benedita Chaves, ressalvando que não são só particulares com um "pedaço de terreno" a aderir. "Temos escolas, empresas e condomínios", descreve. Fora do espaço de actuação da Lipor, em São João da Medeira, o projecto desenvolvido pelo padre Domingos Milheiro é um exemplo deste envolvimento comunitário que Gustavo Lima também experimentou, ao convencer a vizinhança a encher diariamente dois compostores na praceta em frente a sua casa. "É uma maneira de conversar com os vizinhos e de distrair a cabeça, para além de se criar uma ligação", admite.

Maia e Vila do Conde são os municípios que mais compostores acolhem, respectivamente com 375 e 312. A inscrição no projecto pressupõe acompanhamento por parte de técnicos da Lipor, que se deslocam a casa das pessoas para se certificarem de que a compostagem é realizada correctamente. Segundo Ana Lopes, até agora já foram realizadas mais de 1100 visitas, com resultados "muito satisfatórios". Semelhante a terra, o composto é um produto natural que diminui a necessidade de utilização de fertilizantes artificiais. "Quem tem hortas nota muita diferença nas colheitas", conta Ana Lopes, explicando que "as pessoas passam a poder saborear verdadeiramente os alimentos", produzidos sem aditivos químicos.

A outra grande vantagem, esta colectiva, é que representando : uma vez que os resíduos orgânicos 40 por cento do total do lixo produzido a nível nacional, quanto mais compostagem se faz menos sacos do lixo são despejados nos contentores. A experiência de Gustavo Ramos, que já vai para a terceira recolha de composto, confirma estes dados: "Para além de ter cortado na produção de lixo orgânico, cortei também no papel." A Europa propõe como meta que cada um de nós produza menos cem quilos lixo por ano. E uma família de três pessoas com um compostor normal, de 300 litros, chega facilmente a essa meta, assinala Ana lopes.

Em São João da Madeira, o padre é o melhor amigo do ambiente

Domingos Milheiro abre o compostor que está quase cheio e garante que ainda não há adubo produzido. Ainda há dias arregaçou as mangas para retirar da horta as ervas da horta que, de quando em vez, se apoderam dos legumes que crescem para consumo caseiro. O projecto-piloto de compostagem doméstica encontrou terreno fértil no espaço exterior da residência paroquial de São João da Madeira.

“É melhor fabricar estrume orgânico e, como houve esta proposta para reduzir os lixos, resolvi aderir, temos de alinhar nas ideias que são boas”, adianta Domingos Milheiro, o padre de São João da Madeira que não está sozinho na missão. Ilda Natividade Ferreira orienta os cuidados do jardim e da horta com a sabedoria de quem conhece os cantos à casa e ciente da nova tarefa. “Temos de pôr uma camada de verdes e outra de secos”, explica a senhora. Nada complicado para quem já ia fazendo composto dentro de um bidão azul. Mas o compostor, verde-escuro, é mais adequado e jeitoso.

O manual de instruções foi consultado várias vezes pelo sacerdote, que também participou na acção de formação no arranque do projecto. Filho de agricultores, há sempre conselhos que fi cam. “Ou a gente fabrica algum estrume ou é preciso comprá-lo. Embora não seja profi ssional destas coisas, o estrume orgânico é melhor e a adubação vegetal deixa os terrenos respirar melhor.” “Na compostagem não é preciso grande coisa: a natureza é que actua”. Ilda Ferreira aproveita para informar: “Qualquer dia vou abrir em baixo para ver como está.” Como quem diz, para ver se já há produto para adubar a terra.

Manuel Valente Figueiredo, outro dos 25 voluntários do projecto, já retirou adubo do compostor que colocou no jardim de 40 metros quadrados e que foi distribuído pelos vasos de orquídeas. O tempo não é muito, mas a dedicação é grande para quem não percebia da arte. “Não fazia a mínima ideia, sabia mais ou menos como era um compostor”, admite. “Explicaram a parte das camadas, dos pauzinhos, depois a terra. Não dá muito trabalho: uma camada de secos, uma camada de verdes, e não se pode colocar ervas daninhas e tudo o que seja ácido.” Manuel Figueiredo, dono de uma confeitaria do centro da cidade, leva sempre algum “material” do seu estabelecimento para o novo recipiente. E dá uma dica: colocar minhocas que se multiplicam e aceleram o processo de decomposição orgânica. “Está a produzir bem”, confessa. E sem qualquer ajuda. “O jardim está por minha conta.”

Ester Silva leu bastante literatura sobre o assunto mesmo antes de o projecto chegar a São João da Madeira. Ainda pensou comprar um compostor, mas achou caro e resolveu continuar com o sistema de abrir uma cova e colocar restos para produzir adubo, que serve para alimentar fl ores e legumes numa extensa horta e jardim. “Fazia na terra, mas com o compostor é mais arrumado, mais limpo.” Quando soube da iniciativa, não hesitou e inscreveu-se como voluntária. E quer seguir à risca as indicações. Em Setembro vai espreitar para ver se há resultados. “Não tem cheiro, não tem mosca, deve estar tudo bem”, observa. O boneco “Orgânico”, a mascote sorridente, está colado no compostor colocado estrategicamente, protegido do vento. Ester Silva sente-se habilitada para cumprir a missão.

“Isto é fácil, não tem nada que saber. O estrume será para juntar à outra terra porque estou a desistir dos vasos.”

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