Super Bock Super Rock: Um festival sem festa

Foto
Nem Duffy serviu para enlouquecer as gentes e os Killers foram os únicos a entusiasmar o povo, num festival que se esqueceu da festa João Henriques

Toda a gente que segue futebol com um mínimo de regularidade conhece a constante nudez quinzenal do Estádio do Restelo. O Belenenses joga e há duas dezenas de velhinhos nas bancadas, nem uma palha bule, é um sossego. Portanto a ideia de fazer um festival de música popular naquele mesmo estádio quase parece uma acção de beneficência.

Mas ainda não foi o Super Bock Super Rock de anteontem a conseguir transformar aquele rectângulo num local de alegria descontrolada. Porque, apesar de ser um festival, de música e ainda por cima popular, o Super Bock Super Rock teve pouca festa, música que ai Jesus e o povo esteve manso.

Considere-se o cenário que aguardava os óptimos The Walkmen lá pelas seis e meia da tarde. Tocam essencialmente canções de You and Me, o disco mais recente, que soa a Dylan em 1969, se o bardo tivesse passado uma temporada na fronteira com o México a brincar com castanholas, marimbas e maracas. Estavam entre mil a duas mil pessoas a vê-los, que gritavam quando as guitarras se levantavam. Mas bastava olhar para aquela juventude para notar ao que vinham: tinham t-shirts dos Killers, o nome The Killers desenhado nos braços, cartazes com a inscrição The Killers. Gritavam quando as guitarras explodiam porque foi isso que a música dos The Killers lhes ensinou: quando o volume explode, há que berrar.

Brandi Carlile devia ter mais um ou dois pares de milhares de almas a assistir. Desde o Sudoeste de 2007, esta é a quarta vez que Carlile vem a Portugal, tudo graças a um trecho épico de uma canção num anúncio de cerveja. Carlile podia ter optado por tocar apenas esse trecho, mas preferiu fazer desfilar um sem-número de variações anódinas de rock adulto, em que invariavelmente a sua voz ia aos agudos com a fé dos devotos, assim estragando qualquer possibilidade de um final de tarde tranquilo. Fez uma data de versões, todas elas óbvias: dos Radiohead foi buscar "Creep"; de Cash "Folsom Prison Blues"; e de Cohen "Hallelujah". Carlile não gosta de música, gosta da hora de ponta da rádio FM.

Mais uns milhares de almas depois, os Mando Diao subiram ao palco com guitarras barulhentas, um percussionista que também tocava trompete e duas coristas. Ganham pontos extra por tentarem fazer barulho, por terem um trompete e por terem coristas. Perdem esses pontos por não terem canções.

A soul de Duffy

E assim se chegou a Duffy, que tem óptimas canções, mas poucas. Envergando um belo vestido com pintas pretas, ofereceu três quartos de hora de soul à antiga, a que só faltou uma secção de metais. A mais-valia desta moça de extraordinária voz é a sua crença pura: percebe-se que ela não está ali pelo "cool" ou pela droga. Ela gosta daquilo e enche as canções com uma alma rara. Fez muitas famílias e casalinhos felizes e merece a mesma felicidade ou mais ainda.

Às 23h30, os Killers subiram ao palco para espalhar o seu charme gongórico. Era basicamente por eles que a maior parte das pessoas ali estava, e fizeram sabê-lo reagindo entusiasticamente a cada movimentação de Brandon Flowers, o frontman.

Por muito que não gostemos dos Killers (e não gostamos nem um pouco), ao menos têm um espectáculo tão bem ensaiado que, por um instante, quase acreditamos que estamos num festival de Verão, em que a juventude se entrega ao hedonismo e ao exagero próprios da saúde que tem. (Apesar de isso não ter acontecido.)

Todas as canções têm riffs óbvios que desaguam em refrões invariavelmente em crescendo, a base rítmica é sempre funk-deslavado ou disco-sound reciclado, todo o motivo melódico tem de ter um carácter épico e há sempre um sintetizador piroso para convencer os nostálgicos dos anos 80.

A meio de "All this things that I've done" (toalhas de órgãos berrantes, canto épico), ocorre-nos que eles estão a meio caminho entre os Def Leppard e o pior de Bruce Springsteen e quase ficamos à espera do momento em que vamos ouvir cantar uma versão fatela de Born in the USA sob um fundo disco-sound enquanto a câmara foca um baterista com um só braço.

Mas não. Foi a festa possível e foi escassa como os fins de tarde futebolísticos no Restelo costumam ser.

Sugerir correcção
Comentar